Sociedade

Emílio Aragonez, a voz do Altitude

Dsc 2978
Escrito por Efigénia Marques

A Rádio Altitude celebrou 73 anos de existência no passado dia 29 de julho, ocasião para conversar com uma das vozes que marcou uma geração de guardenses. Falar da história da rádio local mais antiga do país é falar, inevitavelmente, de Emílio Aragonez, que muitas vezes entrou em casa dos ouvintes da região beirã para dar notícias, informar ou simplesmente entreter.
Todos os domingos, era com a voz de Emílio Aragonez que acordava a cidade mais alta, as vilas e aldeias do distrito. O “Senhor Notícia”, como também era conhecido, foi durante muitos anos o “rosto” do Altitude e a voz que identificava a emissora, que, apesar de não conhecermos, acabava por ser familiar. Nasceu em Portalegre, mas veio para a Guarda muito novo e antes de ficar conhecido por aquilo que é hoje teve como primeiro negócio um comércio de relojoaria e ótica na Guarda, mas várias circunstâncias da vida abriram-lhe o caminho para a rádio. «Fui fazendo testes para o Altitude e na primeira chamada fiquei logo lá a trabalhar», recorda Emílio Aragonez, hoje com 88 anos.
Foi uma entrada repentina na rádio, através de um um concurso para pessoas que trabalhavam fora do antigo Sanatório, que mudou a vida de Aragonez, que já tinha ligações à emissora desde o início da década de 50, quando começou por fazer apenas umas horas. «Não havia muitos locutores. O Ferreira ia-me buscar para fazer umas horas, mas entretanto as coisas mudaram, eu continuei a estudar e a Comissão da Carteira atribuiu-me a possibilidade de fazer rádio profissional devido ao currículo que já tinha», conta o antigo jornalista guardense.
Várias mudanças foram acontecendo dentro da estação e estes foram, de facto, tempos diferentes que marcaram uma época dourada da história do Altitude, quando a emissão fechava «à meia-noite» e o primeiro noticiário «era sempre feito às 7h30», lembra “Toninho”, como é familiarmente conhecido entre os jornalistas da cidade mais alta. O ano de 1952 marca a entrada de Emílio Aragonez no Altitude e seguiram-se cerca de 50 anos de dedicação, intercalados com colaborações para outros meios de comunicação nacionais, como a Renascença e o “Jornal de Notícias”. No entanto, estas experiências nunca fizeram com que deixasse a casa do Parque da Saúde.
Entre tantas histórias, aos 88 anos ainda recorda «a correria» com que se trabalhava para a rádio, onde fez cobertura de dezenas de acontecimentos e entrevistou personalidades que marcaram a história do país. Ainda hoje, Emílio Aragonez não esquece a vinda do então Presidente da República Ramalho Eanes à Beira Baixa. «Fiz a cobertura desta deslocação presidencial para o Altitude, para a Renascença e para o “Jornal de Notícias”. Eu tinha um ajudante, um taxista chamado “Zé da Faia”, que levava o trabalho a Lisboa, eles pagavam-lhe e ele regressava para me acompanhar. Foram três dias a acompanhar Ramalho Eanes e a repetir estas viagens», recorda Emílio Aragonez.
Apelidado por muitos como “mestre da comunicação”, não só os noticiários eram importantes, também os vários programas que fez sempre abordaram temas do momento, com o intuito de informar, descobrir e também debater, mas o “Domingo a Domingo” foi, sem dúvida, aquele que recorda com mais afinco, não apenas pelo trabalho que dava, mas também por envolver diversas pessoas e investigação. «Penso que toda a gente se lembra do “Domingo a Domingo”, era um programa feito à base de pesquisas que dava muito trabalho e arranjei uma data de pessoas, um médico, uma professora e um mecânico e assim descobria certas coisas que estavam tapadas há muito tempo. A última que me lembro foi o desaparecimento do Sr. Pina, de Alfarazes. A família queria metê-lo num lar e ele suicidou-se junto ao Altitude. Andaram quatro dias à procura dele, polícia, bombeiros e, afinal de contas, fui eu, com o auxílio de uma senhora, que era professora e de outro senhor, que era mecânico, que o conseguimos descobrir. Penso que terá sido o programa com mais audiência do Altitude, pelo menos enquanto lá estive», declara o “Senhor Notícia”.
Sempre dedicado à estação radiofónica que o viu crescer, fazia-se acompanhar de um gravador para todo o lado, mas a vida de repórter também lhe trouxe histórias que acabaram por marcar a vida do antigo jornalista. Foi numa destas histórias que Aragonez teve de se cruzar com uma situação trágica, de grande dor e tristeza. «Andava sempre com um gravador, tanto ia às reportagens de manhã como à noite e, quando não tinha carro, lá tinha de ir a pé. Certo dia era, mais ou menos, uma da manhã e ouvi a sirene. Liguei para os bombeiros, como era costume, e de lá disseram-me que era um acidente grave. Fui a caminho do hospital e já não me deixaram entrar porque era o meu filho que lá estava e tinha morrido… Esta foi uma coisa que me marcou muito», confessa, com tristeza.
Emílio Aragonez deixou o Altitude há cerca de 20 anos, mas garante que tem saudades de fazer aquilo que mais gostava e sente-se orgulhoso por ter sido homenageado pelos seus colegas jornalistas da Guarda e por dois Governadores Civis. Também não esquece a menção honrosa atribuída pelo então Presidente da Assembleia da República, Almeida Santos, a homenagem da antiga edil guardense Maria do Carmo Borges com a Medalha da Cidade e ainda o medalhão da Liga dos Bombeiros Portugueses entregue por Jaime Soares. «Fui condecorado pelo Governador Civil João Gomes com uma medalha de ouro e anos mais tarde pelo também Governador Civil Fernando Lopes, que posteriormente me ofereceu uma placa de prata com um dizer especial. Tenho ainda uma menção honrosa atribuída pelo Dr. Almeida Santos, que me enviou um pergaminho e uma lembrança. E fui alvo de uma homenagem que até hoje deve ter sido das maiores, com 300 pessoas e representações da polícia, GNR, juízes, foi uma coisa que me marcou muito», lembra.
O primeiro jornalista a entrevistar Carvalho Rodrigues a nível nacional foi uma das vozes que ficará para sempre associada ao Altitude. Ali deu os primeiros passos no jornalismo com gente que não esquece: «Aprendi muito com professores como o Abel Virgílio, o Padre Amarelo e o Dr. Isaac Ferrão, enfim, tive cinco ou seis professores que eram todos uma categoria», garante Aragonez.
São 73 anos de memórias e recordações que estão gravadas muito além das quatro paredes que constituem a rádio. É, sem dúvida, um marco importante numa época dourada da rádio local mais antiga do país, onde a voz que marcou uma geração voltou assim aos 90.9, passados 20 anos da sua saída, para dar os parabéns a esta estação emissora que o viu crescer e que Emílio Aragonez pode considerar como a sua casa.

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Efigénia Marques

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