O presidente da Câmara da Guarda garante que o Teatro Municipal vai continuar a ter «programação de qualidade» em 2023 e que será para «os vários tipos de público». É a reação de Sérgio Costa à polémica gerada pela desistência da autarquia em assinar o acordo de financiamento com a Direção-Geral das Artes, que garantia 800 mil euros para quatro anos de programação do TMG.
Com a “batata quente” nas mãos, o autarca guardense convocou uma conferência de imprensa na passada quarta-feira para voltar a repetir os argumentos que o levaram a abdicar deste apoio. «Após alguns meses de avaliação e de um relatório técnico bem fundamentado pelos funcionários da autarquia, alguns dos quais tinham feito precisamente a candidatura, constatamos que, para receber 200 mil euros em 2022, o município da Guarda teria de gastar mais de 800 mil euros. E isto iria acontecer durante quatro anos. Ou seja, para recebermos 800 mil euros nesse período, teríamos de despender do orçamento de todos nós mais de 3 milhões de euros. Estamos a falar num apoio de 25 por cento da DGArtes para aquilo que teríamos que investir», disse Sérgio Costa. O edil guardense realçou que «é um pouco diferente» das regras dos fundos comunitários: «Quando apresentamos uma candidatura, ela é aprovada normalmente a 85 por cento e o município só suporta 15 por cento, mas o conteúdo da candidatura é exclusivamente da nossa responsabilidade, nós é que escolhemos o que queremos fazer», exemplificou, ao contrário do que disse acontecer no apoio da DGArtes.
Sérgio Costa adiantou que a decisão de não assinar foi tomada no final do primeiro ano da candidatura apresentada, num teste que terá confirmado a necessidade de arrepiar caminho neste processo, adiantou o presidente da Câmara. «A programação do TMG foi feita de acordo com o portfólio da DGArtes, seguindo as regras. Não podemos fazer um investimento de 3,3 milhões de euros ao longo de quatro anos para receber apenas 800 mil euros. Isto é financeiramente incomportável para o município da Guarda e por isso tomámos essa decisão, que foi comunicada ao diretor-geral das Artes, a quem dissemos que não estamos preparados para este tipo de candidaturas, com estes montantes, sob pena de ir contra os princípios da sustentabilidade mínima exigida», argumentou. O edil da cidade mais alta admitiu que a assinatura de um novo acordo poderia ser equacionada se houvesse mais público no TMG, o que não se verificou.
«Se estes montantes revelassem um aumento extraordinário da afluência do público ao TMG, então estaríamos a gastar o dobro, mas estávamos a ir no caminho certo. Só que não, estamos a caminhar no sentido oposto: de gastar o dobro e a tender para metade do público-alvo. Por isso temos que tomar decisões de gestão, também na cultura, e foi isso que fizemos», reiterou o autarca independente. Sérgio Costa insistiu que a programação deste ano, já definida ao abrigo da candidatura apresentada, «não se adequou ao público do TMG», conforme concluiu relatório elaborado por três técnicos da Câmara, entre eles Victor Afonso, antigo programador do Teatro Municipal. «Dissemos para darem seguimento à candidatura até ao montante dos 400 mil euros e somos confrontados, entretanto, com este relatório, subscrito não só por esse técnico como por outros que lá estão. E por tudo isto decidimos não assinar porque este primeiro ano da experimentação não correu bem sob o ponto de vista financeiro e da atração de públicos – e nós temos que conjugar sempre estes dois fatores», realçou.
Perdido o financiamento de 800 mil euros da Direção-Geral das Artes, Sérgio Costa garante que o TMG vai ter programação de qualidade e para todos no próximo ano. «Vamos continuar a fazer um investimento de 500 mil euros, verba que está no orçamento municipal, é essa a nossa ambição cultural. Para fazer cultura nem sempre o dinheiro faz tudo, não, é preciso fazer boas programações e termos a ambição de conseguirmos fazer mais com menos. Não é simplesmente a semear dinheiro para cima das coisas que elas crescem. As indicações que foram dadas aos técnicos é ter uma programação eclética, com qualidade e para todos os públicos, feita pelos técnicos da casa, tal como sempre foi. Não precisamos que venham programar por nós e a preços demasiado elevados», comprometeu-se o presidente do município.
Barreto Xavier e António Monteirinho «incrédulos»
Quem não gostou de saber que a Câmara da Guarda mudou de ideias neste processo foi Jorge Barreto Xavier. O antigo secretário de Estado da Cultura, que liderou a lista do PSD à Assembleia Municipal nas últimas autárquicas, mostrou-se surpreendido com a decisão, que classifica de «ato de irresponsabilidade» e de «falta de seriedade». Na sua opinião, se a Câmara «não tinha os meios para se candidatar a este apoio, obviamente não se devia ter candidatado. Foi uma irresponsabilidade tê-lo feito, ninguém obrigou a autarquia a concorrer. Se se candidatou e inclusivamente se alegrou pelo facto de ter sido selecionada, e depois acha que não tem os recursos para desenvolver a atividade, então essa irresponsabilidade ainda é maior porque coloca a Guarda numa situação caricata no contexto nacional, não há seriedade nesta situação e torna-se a Guarda motivo de riso a nível nacional», criticou Barreto Xavier em declarações a O INTERIOR.
«O presidente decidir que não quer receber o dinheiro do Estado parece-me uma cena de uma ópera cómica se não fosse uma ópera trágica porque o TMG é de facto um equipamento cultural que a Guarda precisa, que se estruturou como uma âncora de desenvolvimento cultural para o concelho e região», acrescenta, que lamenta o silêncio da vereadora da Cultura – Amélia Fernandes – e também do PS. Ora, pelos socialistas, António Monteirinho sintetiza o caso afirmando que esta decisão é «a rejeição do próprio sucesso, coisa absolutamente incompreensível». O deputado na Assembleia da República e líder concelhia aborda no assunto na crónica mensal que escreve n’O INTERIOR (ver pág.14) contesta também os números apresentados por Sérgio Costa, concluindo que «esta opção faz temer o pior também nas outras frentes da atividade da Câmara porque ela indicia uma visão política que assenta mais numa ótica de tipo populista do que numa gestão racional, crítica e de longo prazo do nosso destino coletivo».
Luís Martins