Sociedade

«As pessoas têm vida e dependem dos transportes públicos»

Politecnico Guard.a
Escrito por Efigénia Marques

Desta vez são os estudantes do Instituto Politécnico da Guarda que se queixam quando o autocarro não aparece

Não é uma situação nova, uma vez que tem vindo a arrastar-se ao longo dos últimos anos. Os transportes públicos na Guarda não servem toda a população e desta vez são os estudantes no Instituto Politécnico (IPG) que relatam os constrangimentos pelos quais passam devido à falta de autocarros.
«Temos que pedir boleia a amigos ou conhecidos, ir a pé para o Instituto ou, em último recurso, até chamar um táxi», conta Liliana Rodrigues, que frequenta o terceiro ano de Comunicação e Relações Públicas. No início do ano letivo, a estudante recorda que «ainda era Verão e por isso ia a pé, mas rapidamente começou a chover e tinha de apanhar autocarro ou arranjar boleia – que é o que faço na maioria das vezes». Quando as aulas eram às 8h30 os transportes públicos não eram uma opção porque «só havia um autocarro pela manhã, e nunca ia a horas».
A maioria dos docentes compreende os constrangimentos ligados ao atraso dos autocarros. Liliana Rodrigues admite que teve «sorte relativamente aos professores», que «raramente colocavam falta porque acabavam por não ser tão exigentes quanto à assiduidade – visto que não chegávamos atrasados propositadamente». No seu caso, o problema está resolvido porque já tem carta de condução, mas lembra que «a maior parte dos alunos que vivem nas residências não têm carta, não são de cá ou não têm carro. No Instituto há sempre pessoas a queixarem-se dos horários dos autocarros», confirma. Tanto mais que as residências distarão cerca de 20 minutos, a pé, do campus do Politécnico, uma distância mais difícil de percorrer no Inverno. «A maior parte dos meus colegas de turma vão a pé para o IPG e no Inverno é complicado, porque chegam às aulas todos molhados», acrescenta Liliana Rodrigues.
Também o guardense Rafael Pires, que ingressou no primeiro ano do curso de Comunicação Multimédia, vive este “calvário”: «Ainda tenho a sorte de estar na paragem à hora certa e o autocarro não aparecer», afirma, acrescentando que por ter entrado na terceira fase do concurso de acesso tem «imensa matéria atrasada». Quando soube que tinha entrado no Politécnico foi à central de camionagem da Guarda pedir o horário dos autocarros, que, segundo as informações prestadas, passavam na paragem pelas 8h15. «Mas não apareceu. Cheguei a pedir ajuda a uma rapariga que também estava à espera, que me disse que o autocarro passava pelas 8h26, mas por azar… também não apareceu», recorda.
Já sem saber o que fazer e quase em cima da hora da primeira aula, Rafael Pires verificou os horários afixados na paragem e ficou a saber que, «supostamente», o primeiro autocarro passava às 8h36. «A realidade é que também não passou nessa hora, só chegou depois das 8h40 e a essa hora eu já estava atrasado para as aulas, que nalguns dias começam às 8h30», acrescenta. Para não falhar, o estudante de Comunicação Multimédia já chegou a «pagar táxis e a pedir boleia a amigos» para chegar a horas às aulas, mas diz-se «cansado» desta incerteza. «Era para comprar um passe mensal, mas se não consigo apanhar o autocarro também não vale a pena gastar mais de 20 euros… Estou no IPG há um mês e apenas consegui apanhar um autocarro», sublinha.
«Vou para a escola de manhã e regresso a casa ao final do dia porque é arriscado sair do campus antes de acabarem as aulas sob o risco de ter de voltar a pé para o Instituto, (na hora de almoço, por exemplo)», refere o estudante guardense, acrescentando que esta situação «é difícil porque quero frequentar as aulas com toda a normalidade, porém com estes recursos torna-se complicado». Leonor Monteiro, outra estudante da Guarda, aluna do primeiro ano de Marketing, está igualmente dependente dos transportes públicos, mas sempre que precisou o autocarro não apareceu. «Supostamente haveria um autocarro entre o Liceu e o IPG, mas das vezes que tentei apanhá-lo nunca passou pela paragem», refere, adiantando conhecer «muitas pessoas» sem alternativa aos transportes públicos. «Às vezes têm de faltar às aulas porque o autocarro não aparece ou porque está a chover muito», garante, falando também em estudantes que «estão “agarrados” às boleias, mas nem sempre os amigos ou conhecidos estão disponíveis».
Antes de ingressar no IPG, a jovem guardense estudou na EnsiGuarda e nessa altura não tinha nada a apontar aos transportes para a escola profissional. No entanto, durante o Verão, enquanto esteve a trabalhar, confrontou-se com situações «em que precisava do autocarro e muitas das vezes não aparecia, e é muito mais grave um trabalhador faltar ao trabalho – não pode mesmo acontecer todos os dias», afirma. Nesse Verão «houve dias em que tive de ligar à minha mãe para me levar ao trabalho porque o autocarro “nunca mais” aparecia» e, como aconteceu «várias vezes», segundo Leonor Monteiro, «a minha mãe tinha de sair do trabalho dela para me levar onde fosse preciso ou acabar por faltar aos compromissos, como aconteceu nalgumas aulas».
A opinião dos estudantes é unânime na solução a adotar: «Ter mais autocarros»; «criar uma nova rede de autocarros»; «adaptar os horários aos horários escolares». Rafael Pires considera que «se devia arranjar horários para os estudantes» e deixa o reparo de que «para outras escolas há autocarros de meia e meia-hora. Para o IPG há dois: um de manhã para ir e outro à tarde para regressar. É difícil deslocar-me na cidade, não consigo ir a lado nenhum com os transportes públicos que temos. Estou sempre dependente de um carro ou ir a pé», lamenta o jovem.
Leonor Monteiro concorda que, se fosse criada uma nova rede de transportes urbanos, «os alunos iam usar mais os autocarros públicos» porque «já ouvi dizer muitas vezes que “a pior parte é ter de ir a pé para casa” ou “ter de vir a pé porque está a começar a ficar frio”… É uma situação muito chata. As pessoas têm vida e muitas delas dependem dos transportes públicos», enfatiza.

As pessoas têm vida e muitas delas dependem dos transportes públicos

Da parte da Associação Académica da Guarda (AAG), a presidente Beatriz Silva diz já ter conhecimento da situação e dos problemas causados. «Temos recebido diversos comentários dos estudantes a queixarem-se que os horários de ida e volta dos autocarros nem sempre são cumpridos», declara, adiantando que a AAG já expôs a situação ao presidente da Câmara. A dirigente estudantil acredita que «se existisse uma rede de transportes fixa (pequenos autocarros pela cidade), mais alunos poderiam estar alojados em mais pontos da cidade; e mesmo os alunos naturais da Guarda teriam mais facilidade em se movimentar». Sobre a reunião com Sérgio Costa, Beatriz Silva revela que o autarca guardense «não tinha noção de que os horários não eram cumpridos».
Quanto às soluções arranjadas pelos alunos diariamente, a líder da AAG afirma que «boleias e táxis são apenas soluções temporárias. Não pode ser constantemente assim». E promete que a Associação Académica irá fazer «alguma pressão para que a rede de transportes seja melhorada e renovada». Não sem antes lembrar que «não é um processo fácil, principalmente quando algumas destas empresas são privadas». Criar uma rede de transportes seria, para a presidente da AAG, «uma mais-valia para a cidade. A cidade tinha muito a ganhar e seria um bom investimento apostar em autocarros pequenos para fazer um percurso entre vários pontos da cidade». De resto, Beatriz Silva lembra que o problema não afeta só os estudantes do Politécnico, mas também os próprios guardenses, «que acabam por ser muito dependentes dos carros para fazer pequenas deslocações dentro da cidade».
E exemplifica: «Uma pessoa que queira ir a um supermercado que não fique no centro comercial dificilmente o faz a pé. Não existe uma rede que colmate essas falhas. Quando as pessoas querem resolver assuntos na cidade têm de depender de um autocarro em condições e horários normais. Uma rede de transportes urbanos com paragens no centro histórico e arredores seria uma vantagem para todos, pois reduzia-se a utilização do carro e as pessoas seriam mais independentes nas suas deslocações». Contactados por O INTERIOR, tanto o presidente da Câmara, Sérgio Costa, como o presidente do Politécnico, Joaquim Brigas, não quiseram prestar declarações enquanto não for assinado o contrato com a nova empresa concessionária dos transportes urbanos, o que deverá acontecer até ao final do ano.

 

Sofia Pereira

Sobre o autor

Efigénia Marques

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