Alcina Martins Correia é natural de Videmonte, tem 56 anos, é queijeira «desde sempre» e, de momento, é uma das últimas existentes no concelho da Guarda. Aprendeu a arte com a mãe e a avó e nunca teve outra profissão.
Ainda jovem casou com um pastor da terra e mais tarde abriu uma queijaria, em nome próprio, que mantém até hoje. A produtora certificada conta que faz duas ordenhas por dia, a primeira às 6h30 porque faz queijo «de manhã e à noite, logo a seguir à ordenha. Não guardamos o leite da noite para a manhã, e vice-versa», justifica. Alcina Correia está sozinha com o marido na aldeia mais serrana do município guardense, exceto quando recebe a visita da filha, que ajuda o casal «em tudo o que precisamos». Depois da ordenha, o seu dia-a-dia é marcado pela produção do queijo e o pastoreio das ovelhas, enquanto o marido «vai às malhadas e faz “as camas” aos animais». Além disso, acrescenta que há dias em que «temos de lavrar a terra e fazer sementeiras» e outros em que fica na queijaria «o dia todo, como quando é preciso lavar os queijos ou mudar as ligas».
Na adolescência, Alcina Correia recorda-se de ajudar os pais «no que era preciso» e confessa que esta «não era a vida que queria para mim». No entanto, com o passar do tempo e depois de casar com António, «fomos ganhando o gosto pelas coisas». Desde muito nova que fabrica queijos de ovelha amanteigados, uma tarefa que não lhe deixa mãos a medir. A O INTERIOR afirma que, por dia, consegue fazer cerca de oito queijos: «Mediante o dia estar melhor ou pior, as ovelhas abonam um bocadinho ou minguam mais», explica. Os queijos que Alcina Correia faz são vendidos «à porta» da queijeira, mas atualmente «não chegam para os clientes».
O fim da profissão
É com tristeza que uma das últimas queijeiras do concelho da Guarda acredita «cegamente» que a profissão «vai acabar». Alcina Correia volta a falar da filha que a ajuda «a fazer tudo» e «não se envergonha» da vida dos pais. «Muito pelo contrário, tem orgulho. Mas enveredar por um caminho destes? Não. Os pastores não têm fins de semana ou férias. É uma vida muito presa», lamenta-se.
No seu caso, a queijeira de Videmonte tem outras motivações para não abandonar a profissão porque há animais à sua espera. «Temos de lhes dar de comer e acabamos por colocá-los à nossa frente. O seu bem-estar acaba por ser o nosso também», confessa. Contudo, são a vocação e a arte que fazem o resto: «Há quem já não saiba e quem não quer saber. Além disso, não é uma vida que puxa os jovens», constata, lembrando que «somos de uma profissão cada vez mais esquecida que acredito cegamente que vai acabar». Alcina Correia é uma das “Guardiãs da Montanha” e a sua dedicação ao fabrico de um dos melhores queijos do mundo é perpetuada no livro lançado há um ano
pela associação Aldeias de Montanha com o objetivo de homenagear as queijeiras da Serra da Estrela. A obra contém testemunhos, histórias, tradições e os saberes desta arte ancestral. Alcina Correia diz-se «muito feliz» por ficar «imortalizada» neste livro sobre uma profissão que «vai desaparecer».
Fotografia de Kikato.
Sofia Pereira