Sérgio Lopes, natural de Satão, e Sandra Saraiva, de Trancoso, são fãs ávidos de percursos pedestres. Além das viagens que realizam e relatam no seu blog “Os Meus Trilhos”, o casal de funcionários públicos residente na Guarda, com 36 e 37 anos, respetivamente, vê nas caminhadas uma «forma de descobrir recantos maravilhosos por esse mundo fora, de exercitar o corpo e mente», explica Sérgio Lopes. Um deles é o percurso na Linha do Douro, que, para o casal, «é uma das paisagens mais bonitas do país, principalmente nesta altura do ano. Há pontes metálicas que oferecem vistas fantásticas e túneis de cortar a respiração». Experientes na exploração deste tipo de trilhos, Sérgio Lopes e Sandra Saraiva alertam que este «é um percurso com algum grau de dificuldade, não só pela sua extensão, mas também pelo facto de caminharmos em piso muito irregular com gravilha, barrotes, pedras, etc…».
Apesar do estado de abandono da linha, que afirmam ser «desolador», o casal de bloggers assegura que «o percurso está ao nível de outros grandes trilhos por esse mundo fora, falta é investimento na recuperação da linha para fins turísticos», lamentam, acrescentando que «em alguns lugares têm apostado na recuperação destas antigas linhas, convertendo-as em ciclovias ou simples percursos pedestres. Esse seria o caminho natural também para esta linha, porque é inegável o seu potencial turístico», sublinham.
Sérgio Lopes e Sandra Saraiva fazem parte dos vários grupos de caminhantes que se organizam para explorar e apreciar a paisagem duriense que acompanha a ferrovia abandonada. Vêm de todos os pontos do país, sozinhos ou organizados, com o objetivo de percorrer as antigas linhas férreas e documentar a beleza da experiência.
João Dias, programador de profissão, natural de Castelo de Paiva, é o principal organizador de uma caminhada agendada para este sábado. Após ter explorado o percurso com amigos, de forma autónoma, abriu a outros a possibilidade de visitar este território através de um evento criado na Internet que já esgotou o número de inscrições. Este grupo deslocar-se-á do Porto a Foz Côa, local onde se farão ao caminho, rumo a Barca d’Alva.
«Todo o troço desde o Pocinho, atravessando a fronteira até La Fregeneda, é dos percursos que mais prazer me deu. É sensacional. Passamos por imensas vinhas, produtores de vinhos muito conhecidos, pontes e túneis de cortar a respiração e que são fruto de um esforço humano que se perpetua há mais de 100 anos», exemplifica João Dias. Este caminheiro considera mesmo que, «após tantos anos de abandono, possuímos um diamante por lapidar bem ali no vale do Douro». Lamenta, no entanto, o estado em que a linha se encontra «Infelizmente, a linha e as obras de arte do lado português estão efetivamente em muito mau estado, especialmente as antigas casas de apoio, estações e apeadeiros, isto para não falar dos carris que já não existem em muitas zonas», afirma João Dias, contrastando com o que se passa do lado espanhol: «Há uma preocupação, embora recente, na conservação e aproveitamento de toda a estrutura ferroviária para fins turísticos. Já em Portugal a linha está totalmente entregue a si mesma ou a algumas associações e movimentos de preservação», refere. Estas organizações são sobretudo de voluntários ligados a grupos de caminheiros que, de forma independente, fazem pontualmente a manutenção da linha para evitar que se torne definitivamente inacessível.
O grupo “The Brave Ones”, constituído por portuenses entusiastas das caminhadas por caminhos de ferro, é um exemplo deste tipo de trabalho voluntário tendo já realizado diversas ações de limpeza na linha do Douro. No próximo dia 8 de junho têm mais um encontro marcado para limpar a zona da estação do Côa, de acordo com fonte do grupo. Apesar da contínua degradação deste histórico troço ferroviário, João Dias afirma que o interesse «por toda a zona do Douro é crescente e são cada vez mais as pessoas a querer conhecer e arriscar naquela “selva de aço e pedra”», assegura o programador.
A linha abandonada com história centenária
O percurso que se tornou célebre entre caminhantes corresponde a um troço da linha que fazia a ligação entre o Porto e Salamanca.
A antiga Linha do Douro terminava em Barca d’Alva antes de entrar em terras espanholas através de uma ponte sobre o rio Águeda e de um túnel. O percurso inaugurado em 1887, com uma extensão total de cerca de 200 quilómetros, foi uma das grandes obras de engenharia ferroviária da Península Ibérica e funcionou durante quase um século. A ligação internacional foi encerrada em 1985, sendo que o troço entre o Pocinho e Barca d’Alva fechou três anos depois. A sua reabilitação esteve em cima da mesa por várias ocasiões, mas nunca passou do plano das intenções. Considerada «um exemplo de engenharia civil único», o Ministério da Cultura espanhol classificou-a como Bem de Interesse Cultural, com a categoria de monumento. Deste lado da fronteira a via está totalmente votada ao abandono, apesar de, em 2009, ter sido assinado um acordo para a reabilitação do troço entre o Pocinho e Barca d’Alva.
Sofia Craveiro