Y20K

Escrito por António Ferreira

«De 2019 para 2020 não houve alarme nenhum. Para 1 de janeiro deste ano que vai acabar ninguém previu o colapso da civilização. Havia notícia de um vírus que se estava a espalhar por toda a China, mas não parecia diferente das notícias que tinha havido antes sobre a gripe A»

Há 21 anos pensava-se que a passagem de 1999 para 2000 iria criar o caos por causa do “bug” do ano 2000. Os relógios internos da maior parte dos computadores admitiam apenas dois dígitos para o registo do ano e por isso, com a passagem para o novo milénio, não conseguiriam distinguir 2000 de 1900. Assim, todas as operações que implicassem um cálculo de data, uma temporização, um registo de tempo e hora, iriam ser impossíveis ou pelo menos não fiáveis. Afinal não houve nada de especial, muito por causa do investimento maciço que foi feito na renovação do parque informático pelos estados, empresas e particulares, e tanto assim que houve quem falasse no fiasco do ano 2000, ou do Y2K.

De 2019 para 2020 não houve alarme nenhum. Para 1 de janeiro deste ano que vai acabar ninguém previu o colapso da civilização. Havia notícia de um vírus que se estava a espalhar por toda a China, mas não parecia diferente das notícias que tinha havido antes sobre a gripe A – outro fiasco, ao menos se tivermos em conta as previsões cataclísmicas de então.

Em março ficámos todos em casa, convencidos de que desta vez era verdade. A catástrofe tinha mesmo acontecido e não havia solução à vista: os antivirais não eram assim tão eficazes e uma vacina estava muito longe de poder ser criada, aprovada e distribuída. Nunca antes de seis anos, diziam, e a logística da fabricação e distribuição seria de pesadelo.

Mais uma vez, estávamos errados. Por sorte nossa, a tecnologia do ARN mensageiro estava há alguns anos a ser desenvolvida e assentava que nem uma luva ao novo coronavírus. Melhor: essa tecnologia, a confirmarem-se os seus bons resultados, poderá ajudar a erradicar muitas outras doenças para que ainda não há cura.

Acabamos graças a isso o ano com esperança de que os sacrifícios de 2020 possam ajudar a criar alguma coisa de bom, no meio de tantas mortes, tantas empresas fechadas, tanto sofrimento. O coronavírus teve outro efeito secundário positivo: ajudou a derrotar Trump, ao desmascarar a sua incapacidade para governar e a sua sinistra ignorância, apoiada num ego do tamanho da sua estupidez. Acabamos também o ano com a consumação do Brexit, que nos mostra que não são apenas os maus políticos que atraem as desgraças e amplificam os seus efeitos, mas também os cidadãos comuns, ao deixarem-se enganar tão facilmente, ao serem instrumentos tão disponíveis para a transmissão dos vírus como o foram para a disseminação de ideias tóxicas.

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António Ferreira

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