Estamos no pior cenário da pandemia em Portugal, com o maior número de infetados e de mortos. Para se perceber o tamanho da tragédia, o que está a acontecer equivale à queda de um avião todos os dias no nosso país. Não há memória de um desastre desta dimensão. Resistente e implacável.
Não interessa muito doutrinar sobre se foram as celebrações de Natal, se foram os ajuntamentos de Ano Novo, se foi o tempo frio, se foi o relaxamento das pessoas com as medidas de contenção, ou se foi tudo ao mesmo tempo. Importa, sim, procurar inverter esta escalada e salvar a vida de cada um. Sejamos francos, os sinais não sossegam e as decisões do Governo também não. Apesar dos pozinhos de ontem, continuamos a não estar confinados. Temos 20 vezes mais casos que em abril e maio do ano passado, quando tudo fechou, e paradoxalmente temos agora quase mais 20 atividades permitidas. Os dentistas, que trabalham com risco máximo, estão como a boca dos pacientes, abertos. Os cabeleireiros, que trabalham com risco moderado, estão encerrados. As escolas, onde os jovens se amontoam, estão abertas. Um pequeno comércio no interior do país, que quase ninguém visita, está fechado. Os tribunais, onde entram e se cruzam dezenas de pessoas, estão abertos, as livrarias frequentadas por muito poucos, nem por um postigo podem vender. Dois amigos a jogar ténis, estão proibidos. Onze jogadores de futebol profissional estão autorizados a abraçar-se para festejar golos.
Não há nesga de juízo nem de lógica nestas incongruências, que acabarão por ter um efeito devastador no comportamento das pessoas, já descrentes e a estar-se nas tintas para isto tudo, e, pior que isso, retardarão perigosamente a curva de novas infeções. Não basta confinar, é mesmo preciso mudar de estratégia. Não há como não travar a fundo para depois se avançar com segurança. Diminuir apenas a velocidade é curto, pois arriscamos estampar-nos na mesma e com estrondo, porque continuamos desgovernados. De abébia em abébia, arrasamos a economia e continuamos a ter custos humanos incomportáveis, o pior dos dois mundos. Somos os recordistas na Europa da mortalidade excessiva, sendo que só uma parte é explicada pela Covid-19. Os portugueses com outras doenças estão a ser tristemente abandonados e a ministra da Saúde, em vez de aproveitar a capacidade dos hospitais privados e do setor social, mandou cruelmente adiar cirurgias prioritárias, incluindo as que estavam programadas para doentes com cancro, o que é aterrador e dá vontade de fugir.
O Governo está à toa e sem coragem. É certo que opinar é mais fácil que decidir, mas ou mudamos de vida ou a vida muda-nos a nós. Basta olhar para o Hospital da Guarda, onde está colocada uma bomba-relógio, para constatarmos que a situação está a um passo do descontrole. Corredores atolados de macas e de doentes são o terrível retrato de uma espécie de campismo hospitalar. O imenso esforço de todos os profissionais de saúde, pode não bastar. São prementes estruturas de retaguarda e espaços que acolham humanamente os utentes e lhes garantam internamentos condignos. A pandemia agravou a agonia e o caos, mas o problema é estrutural e antigo. O desinvestimento é conhecido e a construção de novas instalações, ou a contratação de mais médicos, jazem ano após ano. Vamos todos torcer para que as imagens recentemente divulgadas do interior do hospital toquem o coração do primeiro-ministro e o façam corar de vergonha. Não é mais aceitável que continuemos a jogar à roleta russa. Dinheiro há, com a denominada “Bazuca” europeia, que somada aos demais fundos, coloca à disposição de todos nós perto de 60 mil milhões de euros. Só esperemos que esta fartura não engorde apenas os mesmos de sempre. E sim, se puderem, fiquem em casa!
Carlos Peixoto
Deputado do PSD na Assembleia da República eleito pelo círculo da Guarda e antigo presidente da Distrital do PSD da Guarda