Um beco sem-saída

Enquanto estas páginas são impressas na rotativa, o país está pendente do debate político (partidário e ideológico) sobre o futuro do Governo. No momento em que escrevo este Editorial, na Assembleia da República debate-se a moção de censura apresentada pelo PCP, que foi rejeitada – o PS tinha anunciado que votava contra a moção, depois optou por abster-se, mas poderia ter votado a favor, isto é, se não reconhece idoneidade ao primeiro-ministro para seguir à frente do Governo, devia ter votado pela exoneração do governo. Depois preferiu exigir uma moção de confiança para não ser acusado de deitar abaixo o Governo – puro tacticismo político. O PS não quer ficar com o ónus de fazer cair o governo e “inventou” uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o primeiro-ministro, a família e a sua empresa – será a primeira vez que uma CPI será criada para investigar uma empresa privada (a de Luís Montenegro) e cria um precedente, extraordinário, o de uma empresa privada ser escrutinada e porventura devassada publicamente a partir do Parlamento. A intenção do PS é colocar o presidente do PSD sobre lume brando, durante os dias ou semanas que sejam necessárias para o humilhar publicamente (recordar que a CPI sobre as gémeas dura há meses e que na prática só serviu para enxovalhar Marcelo Rebelo de Sousa, e colateralmente Lacerda Sales e a mãe das gémeas).
Tudo parece uma palhaçada, própria destes dias carnavalescos. Mas em política nem sempre o que parece é, mas quase sempre quando o ruído é muito há consequências – a democracia a funcionar!
O primeiro-ministro, como sabemos, considera que a gestão do silêncio é a melhor gestão, porque os problemas se esfumam sem precisar de responder. Neste triste episódio, não o foi. Podia ter controlado a narrativa, mas preferiu que o assunto se esfumasse. Não se esfumou. E vai chamuscando. Escolheu estar calado quando devia ter falado, decidiu por uma estratégia esquiva e tardia. E agora, que já tudo terá sido dito sobre o assunto, não tem como se concentrar no que é importante, a governação do país, para ter de decidir se tem condições para continuar ou não à frente do país.
Como é que chegámos até aqui? Como é que um político experiente, bem preparado e inteligente como Luís Montenegro se deixou enrodilhar numa polémica estéril e devastadora?
Este episódio confirma que um governante tem de ser muito cuidadoso e impoluto. E que nem todos podem fazer vida política. Ou mesmo vida pública. A política está limitada a quem viva no sistema, seja funcionário público ou “profissional” da política. Quem trabalhar fora do sistema tem muitas dificuldades em perceber, dominar e estar na vida pública.
Luís Montenegro não cometeu nenhum crime, mas tinha de ter abdicado de ter vida fora da política, porque à mulher de César não basta ser séria tem que o parecer. A pressão política e o clima de suspeição não se esfumarão, como já concluiu Poiares Maduro, e Luís Montenegro terá dificuldades para continuar à frente do governo – tem ainda margem para sobreviver, mas ficou fragilizado, e acabará por ser substituído por Pedro Duarte, Paulo Rangel ou outro dirigente do PSD ou então voltaremos às urnas. Como o próprio Montenegro disse, com excessiva confiança, eleições antecipadas podem ser um mal necessário.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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