Todos somos culpados…

“o incêndio (da Serra da Estrela) estava controlado, mas a «turbulência provocada pelo helicóptero quando recolhia a equipa reativou o fogo»”

1. O folhetim TAP vai muito para além do razoável. Perante aquilo que ouvimos na Comissão Parlamentar de Inquérito da companhia de aviação «Portuguesa», onde foram postos mais de três mil milhões de euros dos nossos impostos, boquiabertos, concluímos que o governo foi incompetente e irresponsável. Pode não ter havido dolo, mas houve seguramente negligência com enorme prejuízo para a empresa de “bandeira” – que está à venda… E com enorme dano para o país, para o regime e para a democracia. Se isto é um governo e se estes são os nossos governantes, então o melhor é fugir daqui para fora! Se possível de avião. E na TAP, cujo bilhete nos saiu caro, muito caro.
2. A seca e os incêndios que regressaram na Semana Santa contrariam a máxima popular de que «em abril, águas mil…». O fogo, que no dia de Páscoa deflagrou na zona da Mizarela, consumiu mato em terreno íngreme do Parque Natural da Serra da Estrela, próximo dos “Passadiços do Mondego”. Pode ter havido mão criminosa, negligência ou acidente… Mas a verdade é que as chamas foram indomáveis durante todo o dia.
Estranhamente, a época de incêndios ocorre mais cedo na nossa região. Aliás, é difícil compreender que, ano após ano, o distrito da Guarda esteja sempre entre os mais sacrificados e com mais área ardida. Como é que é possível? Ainda há mato para arder no distrito da Guarda? Que negligência; que irresponsabilidade; que falta de capacidade de planear o território, de gerir o abandono da terra, de planificar o território, de definir o combate aos fogos a montante, de contrariar a falta de humidade, de limpar, de vigiar, de comandar o combate ao fogo antes, durante e depois do fogo… Todos somos culpados.
3. Lendo o relatório ao grande incêndio da Serra da Estrela no verão passado, perplexos, sentimos o caos que se vive todos os anos no teatro de operações. O fogo atingiu 22 freguesias, seis concelhos, tendo consumido 24 mil hectares no Parque Natural da Serra da Estrela. E o relatório queima a eito tudo o que foi feito na prevenção e no combate no sexto maior fogo desde que há registos em Portugal e maior de 2022.
A investigação aponta, entre outros fatores, para o descontrolo na gestão de um incêndio que se propagou entre 6 e 18 de agosto. E diz que a «reação à reativação foi muito demorada e desorganizada», os «combatentes não sabiam como chegar ao local» e «não estavam atentos ao que ali se estava a passar». Mas lemos muitos outros reparos às Câmara Municipais, aos comandos e aos bombeiros: quando houve a primeira ignição, a redução de combustível por uso de fogo controlado no Parque Natural estava a pouco mais de 30% do programado; houve falta de consideração pelas áreas protegidas; e falta de equilíbrio entre a defesa das povoações e os povoamentos florestais. E a comissão independente concluiu que, antes do meio-dia (primeiro dia), o incêndio estava controlado, mas a «turbulência provocada pelo helicóptero quando recolhia a equipa reativou o fogo». A inépcia e a pressa contribuíram para que ardessem 24 mil hectares da Serra da Estrela no verão passado – lemos incrédulos relatórios que mostram como se chegou ao desastre, ouvimos os relatos de inépcia dos decisores, vemos a devastação da natureza sem que nada mude, ano após ano. Como diria Sophia, vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar. Não podemos continuar a permitir que ninguém assuma responsabilidades por tanta inépcia, não podemos aceitar que nada mude, não podemos deixar de exigir mudanças radicais, na política, no planeamento, na gestão do território, no combate ao fogo e na gestão do território depois da tragédia.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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