Tem razão o Secretário-Geral das Nações Unidas quando afirma que os ataques de 7 de outubro do Hamas «não aconteceram no vácuo». Eles são uma expressão obscena e grotesca do clima de confrontação que se tornou na imagem de marca do território que, um dia, alguém batizou de “Terra Santa”.
Mas António Guterres esqueceu-se de acrescentar que a ONU também tem culpas no cartório. Na conjuntura pós-Segunda Guerra Mundial, a organização aprovou uma resolução que materializava a solução dos dois estados. Mas, desde então, foi incapaz de fazer com que a proposta saísse do papel. Se a implementação desta solução já se afigurava espinhosa na altura, o cenário só se deteriorou com o passar dos anos. Com efeito, as sucessivas redefinições de fronteiras e deslocamento de populações alteraram substancialmente o mapa da região e o clima de hostilidade entre as partes agravou-se.
Depois da guerra na Ucrânia, este novo conflito israelo-palestiniano veio confirmar a crescente descredibilização das Nações Unidas enquanto garante da lei internacional, reguladora de diferendos diplomáticos e promotora da paz e da segurança entre as nações. Mas no mundo da política nunca há lugar a “vazios de poder”.
Face à ausência da ONU, vários países vão assumindo unilateralmente o esforço de mediar o conflito e de evitar o seu escalamento para uma guerra regional ou mundial, com alguns a aproveitarem para marcarem uma posição. Veja-se como a intervenção de Erdogan colocou os países ocidentais (na aceção civilizacional do termo e não geográfica) perante um dilema inesperado e constrangedor: e se a Turquia (país que é membro da NATO) declarasse guerra a Israel (país que não é membro da NATO)?
Face à impotência da ONU, impera a “lei do mais forte”. Assim sendo, o conflito só deverá terminar quando Israel considerar que foi anulada a capacidade operacional do Hamas e, assim, devolvido o sentimento de segurança aos seus habitantes em todo o país, mas em especial na zona de fronteira com a Faixa de Gaza.
À Terra Santa regressará então aquela paz frágil e efémera, pontualmente acalentada com alguma esperança pelo retomar de momentos de convivência pacífica entre muçulmanos e judeus, mas permanentemente assombrada por agentes radicais sempre prontos a reacender o rastilho do ódio e da violência.
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