Desde que se mudara para a nova casa, o senhor Eugénio não parava de pensar em como torná-la mais bonita. Não que a casa fosse feia, só não era completamente como ele a imaginara quando decidira juntar esforços para a adquirir.
Nascido numa quinta dos arredores da cidade, o senhor Eugénio crescera a admirar o casario urbano no topo da encosta. Nas noites de Inverno, então, ainda mais brilhante e apelativo, fazia-o sonhar com a vida vivida a partir de cima. Foi, por isso, sem sentir o peso do esforço ou de qualquer outra adversidade, que trabalhou até, finalmente, alcançar tal sonho. Mas como nunca se sabe quando é que isto, dos sonhos, acaba, o senhor Eugénio continuou a sonhar e só já queria que a casa dos seus sonhos fosse, cada vez, mais de sonho.
Para o conseguir, só não chamou um arquitecto, por ser muito caro, nem um ebanista por não saber o que era. De resto, desde o marceneiro, que o aconselhou a mudar as portas e janelas, passando pelo pedreiro, que o informou que lhe faltava um anexo para guardar a lenha, até ao pintor, amante do vermelho com apontamentos azuis, todos foram poucos para ajudar o senhor Eugénio a concretizar os seus desejos de ter uma casa que se distinguisse das outras casas todas que já vira.
Um dia, depois de trocadas as caixilharias, construído o anexo e pintada, de vermelho e azul, a fachada, chega-lhe à casa nova um primo, em segundo grau, que fazia umas coisas muito originais com tocos de madeira que apanhava nas matas. Ora, com sonhos tão sonhados, está-se mesmo a ver que mesmo sem lareira, onde queimar a lenha que passou a guardar no anexo que o pedreiro lhe construiu, ao primo artista bastaram cinco minutos para convencer o senhor Eugénio de que tinha as peças certas para decorar a dita. E, como uma coisa leva a outra, ficou também encarregue de lhe arranjar uns acessórios, em vime, lã, barro e outras coisas, igualmente tradicionais e rústicas, que disfarçassem as muitas imperfeições deixadas pelo pintor de ocasião, por ser mais barato, nas paredes.
Já se vê que, três anos depois da mudança, a casa do senhor Eugénio tem muito menos de sonho do que de pesadelo. A tinta vermelha das paredes exteriores deu em cair aos bocados e a dos interiores em esverdear na zona do telhado do anexo. As janelas empenaram e os vidros das portas caíram. As únicas coisas que ali parecem não cair são as criações artesanais do seu primo distante, mudado de armas e bagagem para o seu lado. Assim, se tanta e tão inestética quinquilharia para mais não servir, sempre impedirá que se repare com mais cuidado na perfeita aberração em que o senhor Eugénio continua a transformar a casa. É no que dá, este pesadelo de termos de levar com sonhos alheios, uma aberração tão grande que até já nos dói.
Bem se diz que todas as terras têm um tonto, a nossa tem um Eugénio que, sendo capaz de tanta tolice, estragará bem mais do que mil tontos juntos.
Sonhos de tontos e tontos de pesadelo
“Bem se diz que todas as terras têm um tonto, a nossa tem um Eugénio que, sendo capaz de tanta tolice, estragará bem mais do que mil tontos juntos.”