Sem vergonha não é sem abrigo, não é sem identidade. Sem vergonha é um processo de aprendizagem onde todos os esquemas de beneficiar sem ter dado são utilizados. O Estado Social constrói várias soluções com uma intenção virtuosa e por essa razão protege as viúvas, as mães solteiras, beneficia os doentes com subsídios. Quando no final da primeira guerra pululavam desprotegidas as viúvas dos combatentes, os Estados perceberam que tinham de construir uma almofada para esta miséria. O Estado Social nasce de um princípio benevolente e merecia ser respeitado por todos. Também as benesses sobre o trabalho foram criadas para proteger os tísicos, os destruídos do trabalho industrial dos primórdios do século XIX, quando a esperança de vida andava pelos 45 anos. Os mesmos diretos não fazem sentido ao mudar as condições de trabalho e as mesmas benesses não deviam ser entregues a quem tem esperanças de vida de mais de 90 anos, de modo indiscriminado. O Estado coloca ao dispor o dinheiro que arrecada das riquezas do solo (que em Portugal não é muita), da cobrança de impostos aos privados e ainda daquilo que produz e vende (o que, como sabemos, é pouco também). Este Estado Social nasce do Produto Interno Bruto e tem uma fatia de vantagens sociais que é “win-win” porque a fome e a miséria não trazem vantagem para ninguém.
O que está mal no tempo atual é a incapacidade de redesenhar o Estado Social, construindo mecanismos vigiados, justos, atribuições reais de vantagens com um fim: a independência e a estabilidade. A série da Netflix “Shameless” é um ícone aos abusadores do Estado Social. Enganar, incriminar, retirar benefícios indevidos, construir realidades falsas para ir buscar subsídios. Os direitos apoiados com a melhor intensão tornam-se assim um mecanismo de injustiça aos honestos e esforçados. “Shameless” ensina! O poder do Estado Social enfraqueceu pelo ditame das reivindicações, sempre atendidas em favor de minorias cada vez mais próximas do eu. Um Estado frouxo conseguido pela ditadura do dedo estendido, dos vídeos no “Youtube”, da tortura incriminadora dos que se acham herdeiros da defesa dos direitos sociais. O próprio sistema jurídico tornou-se anémico para questões de abuso, para preguiçosos, para aproveitadores. Esta revolta, que os pobres que trabalham sentem, é muito clara quando percebem que o Francisco está toda a manhã no café a jogar raspadinhas e tem direito a casa, e joga com o que lhe dá o Estado Social. Esta revolta constrói o silêncio que depois vota na direita efusiva e histérica.