A crise política que estamos a atravessar revela algo mais grave, preocupante e de difícil resolução: uma verdadeira crise de valores. Desenganem-se os que pensam que este é um problema exclusivo do setor político. Assistimos, hoje, a um reflexo de uma sociedade onde o pensamento crítico foi empurrado para segundo plano, vítima de um sistema educacional que privilegia a memorização mecânica em detrimento da reflexão e da autonomia intelectual. Será, assim, compreensível que não se entendam conceitos filosóficos como a ética, muito menos que se pratiquem.
A exigência foi substituída pelo facilitismo; a superficialidade domina o debate público, reduzindo-o a manchetes sensacionalistas e a discursos populistas que apelam à emoção, evitando a complexidade dos problemas. O cidadão é bombardeado por informações rápidas e fragmentadas, sem incentivo para questionar, analisar ou desafiar as narrativas dominantes. O resultado? Uma sociedade passiva, que aceita escândalos políticos e falhas institucionais como inevitabilidades do sistema.
Estamos a construir um país cada vez mais apático, descrente na sua própria capacidade de mudança. A falta de pensamento crítico tem consequências diretas na qualidade da democracia. Uma sociedade que não questiona é facilmente manipulável. Vemos isto na ascensão de líderes que exploram o descontentamento com promessas vazias, na disseminação de desinformação que se propaga sem resistência e na aceitação de decisões políticas sem um verdadeiro escrutínio. A falta de cultura cívica torna-se um convite ao abuso de poder, pois um povo que não exige prestação de contas é um povo condenado a ser governado por aqueles que menosprezam a transparência e a responsabilidade.
Este clima de impunidade e relativização da ética tem consequências profundas. Se a política se reduz a um mero campo de batalha pelo poder, sem uma verdadeira preocupação com o bem comum, como podemos esperar que as novas gerações acreditem na importância do serviço público? Se os sucessivos atores políticos se enredam em polémicas, enquanto os problemas estruturais do país – da educação à saúde, passando pela habitação – permanecem sem solução, como podemos exigir a confiança dos cidadãos?
A mudança só começa quando a sociedade decide que não se contenta com respostas fáceis para problemas complexos; que não aceita abusos de poder; que exige os melhores para os lugares mais importantes. Até lá, a crise política não será apenas uma questão de líderes ou partidos – será um sintoma de um país que desaprendeu a pensar.