Príncipes, ladrões, interesses e escândalos

Escrito por Jorge Noutel

“A democracia, mesmo a representativa, tem a obrigação de, sem quaisquer restrições, informar e dar a conhecer a qualquer cidadão os processos e demais atos que envolvem a vida das instituições públicas. Mas, entre nós, mesmo em democracia, usa-se e abusa-se de hábitos antigos.”

Portugal vive um dos momentos mais preocupantes ao nível do funcionamento das instituições, com a consequente ascensão do populismo e da extrema-direita que nos levará ao estado insolente vivido antes do 25 de Abril de 1974. Infelizmente, isto acontece a pouco tempo de se comemorarem os 50 anos da implantação da democracia. Se no tempo do Estado Novo nada se sabia, ou poucos sabiam da podridão que reinava nas instituições, hoje em dia, com a proliferação dos meios de acesso à informação, alguma coisa pode ser conhecida. É nos estados em que não é possível conhecer, onde os cidadãos não podem analisar e escrutinar, onde não há transparência, é nesses estados que a podridão atinge todas, mas mesmo todas as instituições e serviços. Então, se não somos um desses estados, se não somos uma ditadura, por que razão chegámos à triste situação a que chegámos?
A democracia, mesmo a representativa, tem a obrigação de, sem quaisquer restrições, informar e dar a conhecer a qualquer cidadão os processos e demais atos que envolvem a vida das instituições públicas. Mas, entre nós, mesmo em democracia, usa-se e abusa-se de hábitos antigos. Continuam a protelar-se as respostas a qualquer pedido de informação dos cidadãos. Se o protelamento dos prazos é fator de desmotivação para se conseguir a informação, outros casos há em que, mesmo recorrendo a meios que o direito concede aos cidadãos para conhecerem a vida das instituições, impera a resistência no acesso à informação e na fiscalização que por essa via o cidadão poderia efetuar relativamente ao funcionamento das instituições. A juntar a esta renitente forma de se esconder, escamotear e negar a informação aos cidadãos, ainda se usa de um novo expediente casuístico muito em voga: o esquecimento! Todos os que vão sendo apanhados em situações de duvidosa legalidade ou moralidade, em situação de benefício para os próprios ou para alguém a quem querem fazer um frete, perdem a memória. Uma autêntica epidemia de amnésia generalizada!
Para esta gente, pelos vistos incapaz de ser lembrar do que comeram ao almoço, qualquer cidadão que exija saber é instintivamente olhado como um chato, um inimigo do partido que os nomeou para aquele tacho na instituição, ou pior, um alvo a abater, se tal se apresentar, aos olhos de quem manda, como uma possibilidade. E se não for possível abater esse cidadão inoportuno e incomodativo cidadão, essa verdadeira mosca que lhes cai na sopa, abate-se ou persegue-se quem for seu familiar, amigo, namorado ou namorada, etc.
Face a esta opacidade e resistência à transparência, que de democrática não tem rigorosamente nada, trazendo-nos à memória as práticas de regimes ditatoriais, quem se pode admirar dos vários escândalos que continuam a assolar a vida do país? Com estes fatores na ordem do dia, numa tentativa desesperada de se esconder, sonegar, e ocultar fraudulentamente factos, procedimentos e métodos, as instituições caem inexoravelmente na degradação e encontram-se a um passo da podridão. O sistema baseado em tais instituições, porque corruptas e corporativamente depravadas, precisa de submissão incondicional à hierarquia. A subsistência dos parasitas que se governam à custa delas depende do ilusório e da crença no vão poder de mandar e de se fazerem mandados.
Os recentes casos amplamente difundidos e debatidos na comunicação social são o exemplo perfeito de que os serviços, as instituições em geral, através deste processo de degradação, tratam os cidadãos de forma desigual. Uns mais iguais do que os outros.
Cada vez mais penso que Maquiavel sabia do que falava quando em “O Príncipe” escrevia: «A soberania conquista-se através da astúcia e da traição, conserva-se através da mentira e do homicídio, perde-se pela lealdade e pela compaixão». Para alterar o estado a que se chegou seria necessária uma grande astúcia, mas do povo e não tanto dos poderosos. Se o povo for astuto, abandonará este tipo de príncipes. Na verdade, são os príncipes quem precisa do povo para manter este sistema e não o contrário!
Se fossem só as restrições impostas aos cidadãos para impedir a transparência, a coisa já seria grave. Mas, cumulativamente, assiste-se a um cada vez maior abuso de poder, impunidade, e manipulação de mecanismos públicos por interesses privados. Os príncipes tornaram-se lacaios desses interesses! Assim, tudo fica mais grave e destrutivo. “Quo vadis” democracia? O populismo cresce e prepara-se para tomar de assalto, pela via do voto, o poder e destruir o maior e mais importante pilar das democracias, a liberdade, de toda e qualquer forma de ser livre. O ocaso da democracia aproxima-se fruto do tal estendal das ocasiões perdidas ou falhadas!

Sobre o autor

Jorge Noutel

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