Abomino panegíricos e textos laudatórios, mas gosto de falar de amigos. É o caso do agora desaparecido Pinharanda Gomes que conheci no início dos anos noventa por ocasião de uma homenagem que meu pai – então diretor da Biblioteca Municipal do Fundão – prestou, secundado por este vosso servidor, a Nuno de Montemor.
O palestrante foi o Pinharanda, claro. Tínhamos a sorte de ter na nossa biblioteca familiar a obra completa do escritor quadrazenho. E já com algumas obras publicadas, costumava dizer que foi Montemor que me impeliu nascituramente para a letra de forma, pois tanto eu como o meu irmão nascemos a escassos 150 metros da casa onde, na ainda hoje Rua Batalha Reis, o autor de “Água de Neve” residiu.
Pinharanda era um incondicional do seu conterrâneo. Mas foi por Montemor que cheguei a Pinharanda. Desse primeiro encontro para cá, coincidimos em inúmeros eventos e a carta que me dirigiu, em 2016, por ocasião da minha indigitação para diretor do Museu da Guarda, guardo-a no relicário íntimo dos tesouros que só os amigos sabem conservar.
Em 1996 publiquei o meu primeiro estudo histórico de fôlego – uma monografia sobre uma instituição monacal da reforma franciscana da Diocese da Guarda, que acabaria por se revelar determinante na cultura da região – neste momento só creio no múnus da cultura que o homem produz, e erigir unidades de luxo sobre conventos franciscanos – que poderia dar origem a um centro de interpelação da vida conventual (aliás, previsto e acordado) – dão bem conta dos tempos em que vivemos. Pinharanda foi o prefaciador natural. A partir desse momento estabeleceu-se entre nós uma cumplicidade indizível. Fosse em Santo António dos Cavaleiros, ou em Oeiras, retalhámos tardes intermináveis de boa confraria e partilha de ideias.
Católico, embora absolutamente consciente do curso cristológico ao longo da história nunca deixou de ser um tolerante e de permitir que o seu intelecto dispensasse atenção a pensadores heterodoxos: Giordano Bruno, Leonardo Coimbra, a fase anarquista de Alfredo Pimenta, por ex.
Pinharanda foi um pensador recatado e exemplar – todos os louvores à Universidade da Beira Interior por o ter laureado recentemente com o máxima dignidade académica – mas se cotejarmos o seu autodidatismo, com que muitos o acusam é hoje da infundamento cientifico, a questão é tão imediatamente risível quando nos lembramos da prestação científica de certos “doutores” que sendo devedores de tudo o que são às academias, expressam essa dívida de modo tão ridículo que chega a raiar o anedóticos a pose com que julgam embevecer o mundo, a sua superioridade respondia em bem pela sua sabedoria…
Basta ler “Introdução à Saudade” (Lello Editores, abril de 1976), obra escrita conjuntamente com a Dalila Pereira da Costa para perceber que Pinharanda foi um mestre. Abjurou títulos e benesses porque a sua dedicação a consagrou por inteiro aos estudos filosóficos e históricos.
Como amigo me enternecerão sempre os seus gestos, mas também a sua obra que parece ter sido escrita para um círculo restrito de companheiros que te compreendiam e estimavam o teu labor de trabalhador infatigável.
Mas agora descansa em paz. Na paz do Deus que sempre amaste!
* Escritor