Pacto de regime

Escrito por António Ferreira

Os americanos começam a aperceber-se, com Trump, de um problema que é também grave entre nós. Refiro-me à volatilidade das políticas básicas do país e da sua inserção no conjunto das nações. O “Eixo do Mal”, assim aplicado por George W. Bush em 2002 no seu discurso sobre o Estado da União, compreendia o Irão, o Iraque e a Coreia Norte. Foram depois associados a esse grupo, por membros da administração Bush ou por analistas políticos, a Líbia, a Síria e Cuba, tendo mais recentemente a Rússia merecido iguais “honras”. Esses países estavam claramente à parte do grupo de amigos do que consideramos o Ocidente e muito perto de serem nossos inimigos. Trump, em pouco mais de dois meses, inverteu décadas de diplomacia: ameaçou países da NATO, aderiu aparentemente à versão russa do conflito com a Ucrânia, lançou uma guerra comercial contra aliados de sempre, propõe-se destruir as políticas norte-americanas de ajuda externa, saiu da Organização Mundial de Saúde e ameaça sair da NATO.
Esta dança do “sai da OMS”, “entra na OMS”, a Rússia é um inimigo do Ocidente mas já não, e ideias de “vamos anexar o Canadá e a Gronelândia”, têm o efeito óbvio de os EUA deixarem de ser um aliado confiável. Sempre que mudar a administração são revertidas medidas da administração anterior e quando mudar de novo serão repristinadas as que tiverem entretanto sido revogadas.
Por cá, para além da privatização, nacionalização e reprivatização da TAP, temos as parcerias público-privadas na saúde, a alteração, legislatura após legislatura, da denominação dos ministérios, as portagens nas SCUT e ex-SCUT, agora revogadas e depois logo se vê, as políticas de imigração e as políticas fiscais, ora num sentido, ora noutro.
É certo que os partidos têm ideias diferentes sobre questões essenciais da governação e isso faz parte do jogo democrático, mas é bom que haja alguma previsibilidade. Não ajuda ninguém saber-se que se vier um governo de uma orientação política diferente o Estado vai endividar-se até lhe cortarem o crédito, ou que, na alternância democrática e de quatro em quatro anos se mexe nas leis laborais, se agravam ou reduzem penas, se sobem ou descem impostos.
É preciso haver segurança nas regras do jogo e uma forma de o garantir seria, por exemplo, com a introdução na Constituição da República de regras como um teto para o endividamento, ou que legislação que afete direitos, liberdades e garantias só pode ser mexida com uma maioria qualificada. Não será fácil obter uma maioria favorável à introdução na Lei Fundamental de regras assim, até porque não se vê que se atinjam facilmente os dois terços necessários. Outra forma seria um pacto de regime, tantas vezes pedido a propósito de tantos assuntos, mas não vejo que seja fácil, ou até possível, tão grave é a crispação e inimizade entre os partidos e os seus dirigentes.
As últimas semanas foram elucidativas: o PS mostra pensar que Montenegro é corrupto, apenas para ouvir falar no dinheiro do chefe de gabinete de Costa ou no julgamento de Sócrates e o Chega pensa que o Presidente da República é vulnerável a cunhas, tudo enquanto se multiplicam as anedotas sobre malas (pergunta Miguel Arruda: o Governo já fez as malas?).
E é assim: não acordam em quase nada, não têm confiança uns nos outros e dois terços dos eleitores vão ficar em casa porque não confiam em ninguém. Como conseguir assim um pacto de regime?

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António Ferreira

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