Os últimos moicanos…

“Continuamos a fazer jornalismo, com independência e rigor, resistindo e trabalhando com parcos recursos, com muito mérito, trabalho, abnegação, esforço, dedicação e profissionalismo, sem facilidades, numa economia frágil e depauperada, não abdicando da nossa independência em relação aos diferentes poderes, sem tergiversar”

Neste ano em que se irão completar os 50 Anos do 25 de Abril, a imprensa, pilar da liberdade e da democracia, vive momentos extraordinariamente difíceis.
As notícias que nos últimos dias têm sido divulgadas sobre a Global Media, proprietária de títulos emblemáticos como o “Jornal de Notícias”, o “Diário de Notícias” ou a rádio “TSF”, são mais um exemplo revelador das dificuldades que atravessa a imprensa portuguesa.
Os problemas vêm de trás. A imprensa portuguesa foi sempre débil e a sua história conviveu sempre com muitas complexidades. Portugal era, afinal, um país de analfabetos e só as elites tinham interesse e acesso à informação (e continua a ser assim: a literacia em comunicação social continua a ser coisa das elites ainda que a alfabetização se tenha generalizado). Os jornais em Portugal sempre tiveram pequenas tiragens (se compararmos com o resto da Europa). Mas sempre houve muitos e “grandes” jornais (pequenos), a nível nacional e a nível regional.
Portugal tem atualmente apenas quatro diários (generalistas) e menos de 20% dos portugueses terão o hábito diário de ler um jornal (em papel ou online). O “Correio da Manhã”, que é o jornal com mais tiragem, tem uma audiência de cerca de 44 mil leitores diários, entre papel e digital (e representa 60% da circulação da imprensa portuguesa), enquanto a Bélgica (que tem uma população próxima de Portugal, ainda que seja mais pequeno) cerca de 60% da população lê diariamente um jornal (papel ou digital), tem 23 diários de informação geral (e os maiores, “Le Soir” e “Het Laatste Nieuws”, têm uma tiragem média de perto de 70 mil exemplares em papel).
A “transição digital” alterou tudo. Muitos dos principais títulos portugueses não resistiram à “crise” e ao emergir da Internet que nos últimos vinte anos foi generalizando o acesso a conteúdos digitais – e os editores, atrás da presença online e do suposto sucesso digital, promoveram em todo o mundo a gratuitidade dos conteúdos e com isso destruíram qualquer modelo de negócio.
E apoiar ou não o jornalismo é a grande questão que hoje se coloca e sobre a qual tantas vezes aqui escrevi (https://ointerior.pt/opiniao/apoiar-ou-nao-o-jornalismo/). A imprensa tem de ser reconhecida pela relevância em termos de serviço público, sempre muito alabado, essencial na formação, na educação e desenvolvimento social, determinante na democracia, na pluralidade, na exigência de transparência ou de informação, etc., mas cujo reconhecimento formal e apoio é sempre diminuto. O Estado tem obrigatoriamente de alterar a sua posição e contribuir decisivamente para a sobrevivência dos jornais, das rádios e das televisões regionais com um financiamento direto (como ocorre, e bem, com a RTP – 191,7 milhões de euros que todos pagamos na fatura de eletricidade, a que se têm de somar outros financiamentos públicos).
Mas se a imprensa portuguesa está moribunda, que dizer da imprensa regional? Somos, como alguém disse, os últimos moicanos… No jornal O INTERIOR continuamos a fazer jornalismo, com independência e rigor, resistindo e trabalhando com parcos recursos, com muito mérito, trabalho, abnegação, esforço, dedicação e profissionalismo, sem facilidades, numa economia frágil e depauperada, não abdicando da nossa independência em relação aos diferentes poderes, sem tergiversar – ainda que saibamos que esse seria o caminho mais fácil, o caminho da sobrevivência, porque no final do mês temos de pagar salários, contribuições e impostos e aos fornecedores. Sem qualquer apoio público! E é assim que o Jornal O INTERIOR consegue ser o 18º melhor jornal português, num ranking onde não há nenhum outro jornal de fora dos grandes centros entre os 25 primeiros jornais portugueses – https://ointerior.pt/sociedade/o-interior-e-o-jornal-regional-do-interior-de-portugal-com-mais-reputacao-global/.
No final de 2023 a Rádio Monsanto terminou as suas emissões regulares, que tinham sido iniciadas em 1985, passando de rádio local do concelho de Idanha a antena de retransmissão da “RDS”, a rádio do Seixal!!! Antes, o jornal “Terras da Beira” fechou portas, depois de o centenário “Notícias da Covilhã” encerrar (agora reapareceu como jornal gratuito) e tantas outras rádios e jornais regionais têm sucumbido às dificuldades. As medidas que têm sido preconizadas pouco poderão fazer para inverter a tendência – majoração de 20%, em sede de IRC, da publicidade efetuada por privados; incentivo à modernização tecnológica; literacia mediática e incentivo à subscrição de assinaturas (em papel ou digital); ou a compra antecipada de publicidade institucional. Ou ainda com medidas como a proposta pelo governo regional dos Açores, com o orçamento regional a pagar diretamente custos e mesmo salários de jornalistas e que o presidente do PS, Carlos César, imediatamente arrasou vingando-se dos jornalistas que noticiaram os empregos que o antigo governante açoriano arranjou à família.
Por isso, num momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso, seja assinante, compre e leia jornais.
Votos de um Próspero Ano Novo!

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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