Os pobres, as regras, os chulos e lucros

Escrito por Jorge Noutel

“Mas alguém se admira com a forma como os vários governantes adulteram, viciam, e falseiam a cadeia de dependências nas várias administrações onde o Estado meta a mão, quaisquer que elas sejam?”

O país que gosta de sonhar com futebol, Fátima e praia, o país com pouco ou nenhum interesse pelas coisas da vida pública, em especial com as de natureza política, acordou para o pesadelo das várias declarações que se foram sucedendo na Comissão de Inquérito Parlamentar sobre a TAP. A Comissão que tem servido até agora para comentadores, analistas e principalmente tudólogos passearem as suas teorias antes de perceberem sequer o que aconteceu. Quanto à governação, não seria preciso tal Comissão para se perceber que anda por aí um conjunto de personagens que usam e abusam dos seus poderes para manipular, instrumentalizar e enganar. O espetáculo deprimente da peixeirada a que se vai assistindo, o seu efeito de distrair, serve às mil maravilhas os interesses de um governo incompetente que não consegue cumprir os mínimos para resolver os gravíssimos problemas que afligem milhões de portugueses. Enquanto os tudólogos fazem o seu número de entretenimento comentadeiro, o povo sente as amarguras do dia-a-dia na educação, na saúde, na justiça, na habitação, no custo de vida com o magro salário a não chegar para as despesas. É o pagode total!
Mas alguém se admira com a forma como os vários governantes adulteram, viciam, e falseiam a cadeia de dependências nas várias administrações onde o Estado meta a mão, quaisquer que elas sejam? Os assaltos ao pote que se fazem por todas as dependências dos representantes? Os conluios premeditados para a ascensão dos amigalhaços ao poder cimeiro? A opacidade que se verifica nos mais variados meandros de contratos? A falta de transparência em todos os atos públicos? Os subornos e negociatas que se fazem entre o público e o privado? Práticas de crimes de oferta indevida de vantagem são mais que muitas, só que bem camufladas e, se descobertas, sempre a salvo da justiça. Crimes de abuso de poder? É o que mais se verifica com a adulteração de concursos e demais ajudas a amigalhaços e a partidários. Crimes de administração danosa são tantos que a serem julgados o presídio de Évora esgotaria. Isto já para não falar dos crimes de prevaricação, por titular de cargo político. É só consultar a tão falada fita do tempo.
Felizmente que desta vez não houve perdas de memória. Todos os intervenientes levaram a memória bem viva e não se escudaram, até ao presente, em fugas de falta de memória tão usadas noutras comissões. Mas as razões das audições também não dariam azo a tais fugas. As guerras do Alecrim e Manjerona entre a francesa Christine e a volúvel Alexandra Reis não são mais do que jogos de poder telecomandados por terceiros. Indemnizações milionárias a pagar ou a receber? São os cidadãos a pagar e o assunto fica resolvido a bem das partes. Dizer-se que a gestão da TAP conseguiu mais um milagre não passa de um abuso de protagonismo. Qualquer gestor com maior ou menor competência, recorrendo a cortes salariais e a despedimentos, e com sorte, conseguiria tais resultados.
A verdade é que as razões para os lucros da TAP, como referi, são várias. Desde logo, Portugal registou uma brutal recuperação do turismo e todas as companhias aéreas tiveram idêntica recuperação de atividade. Depois, a TAP beneficiou de centenas de milhões de euros de isenções fiscais concedidas pelo Estado, coisa que nunca ou raramente é falado. A TAP conseguiu, graças ao tal plano de recuperação da autoria de Alexandra Reis, poupar 100 milhões de euros em cortes salariais e em despedimentos. Praticou preços de usura nas linhas em que ainda mantém um monopólio de facto, como o Brasil e certos destinos nos Estados Unidos da América, e houve poupança no serviço de bordo aos passageiros atingindo um nível extremo só comparável a companhias de baixo custo. Ou seja, sem tudo isto, a TAP teria dado prejuízo, como sempre. E, mesmo com elas, à razão de 65 milhões de euros anuais de lucro, demoraria 35 anos, sem contar com a inflação, a devolver aos contribuintes os 3,2 mil milhões que lá pusemos. Para que não restem dúvidas e muito menos falsas esperanças, ao contrário do anterior, o novo ministro da tutela já esclareceu que esse dinheiro, afinal, não é para devolver. Os lucros são para os investidores, os prejuízos para os contribuintes! Siga o entretenimento que dos pobres de espírito será o céu…

Sobre o autor

Jorge Noutel

Leave a Reply