No “sistema” de há 50 anos não havia partidos políticos. No “sistema” de há 50 anos não havia Serviço Nacional de Saúde. No “sistema” de há 50 anos não havia casas para todos, poucos tinham carro ou iam de férias para a praia. No “sistema” de há 50 anos só cerca de dez por cento dos alunos conseguiam chegar à universidade e muitos dos restantes noventa por cento nem chegavam a concluir a escola primária. Umas por culpa da guerra colonial, que lhes levava os filhos homens, outras por não terem que comer, as famílias viviam com o coração nas mãos. Há 49 anos, quando um cravo vermelho, na ponta de uma espingarda, iniciou a revolução que iria reverter isso tudo, incluindo o “sistema” de então, vieram os partidos políticos e, com eles, os cuidados de saúde, as casas, os carros, as férias e o acesso ao Ensino Superior. O analfabetismo, como que por magia, quase desapareceu e as doenças, evitáveis pela vacinação e pelos cuidados primários de saúde, também. Não obstante feito tão grande, o entusiasmo com que se vem festejando o dia em que alguém se lembrou de aqui fixar um cravo vermelho parece esmorecer na proporção da constante depreciação que os “anti-sistema” fazem dos partidos políticos. Levando-nos a interpretar a sua declaração de “anti-sistema” como a assunção de que, acima de tudo, serão contra a existência de partidos políticos e, consequentemente, contra a democracia. Sim, porque não existe democracia quando se pretende fazê-la assentar em Movimentos disto, daquilo e do outro, nascidos das oportunidades geradas pelas percepções individuais de injustiça social e desonestidade institucional.
Aproveitando a imperfeição de todos e qualquer um, “os anti-sistema” arrogam-se defensores da moral e dos bons costumes, sempre mais interessados em impor a sua moral do que outra coisa qualquer. É, assim, a partir da sua alegada “seriedade” e ânsia de “justiça” que dão em fundar partidos e movimentos cívicos a propósito de tudo e de nada. Depois, à falta de propostas mais válidas e concretas, lá nos propõem ser “sérios” e perseguir militantemente todos os outros. Os que não são sérios. Ou, pelo menos, os que não são tão sérios como eles. À partida, pode até parecer que, de tão absurda, a coisa não terá pernas para ir muito longe ou, sequer começar a andar, mas lá que tem dado passos suficientes para nos levar a repensar o destino do cravo fixo no nosso jardim, tem. O que significará que, à semelhança de tudo, também ele, o cravo vermelho, estará a precisar de ser renovado e, se possível, reinventado para que por cá permaneça, enquanto símbolo da revolução que testemunhámos nos últimos 49 anos. A revolução que começou com a instauração do regime democrático (ao que parece, o tal sistema de que os outros são “anti”) conformado, precisamente, pela existência de partidos políticos, mas que, por uma razão ou por outra, às vezes é esquecido e frequentemente atacado. E, qualquer coisa do género do que por estes dias acontece, com alguns sindicatos e “movimentos”, essencialmente através de não sindicalizados, a pretenderem, a partir da rua, impor aos restantes portugueses o que a maioria deles rejeitou, parece servir para esse ataque.
Os “anti-sistema”
“Aproveitando a imperfeição de todos e qualquer um, “os anti-sistema” arrogam-se defensores da moral e dos bons costumes, sempre mais interessados em impor a sua moral do que outra coisa qualquer.”