Com a demissão de 87 médicos em Setúbal, à qual se seguiu a demissão de todos os chefes de equipa da Urgência de Medicina Interna do Hospital de Leiria, saltou novamente para o espaço mediático o estado caótico em que se encontra o Serviço Nacional de Saúde (SNS), muito por culpa da ausência de resposta da tutela aos sucessivos pedidos de abertura de vagas para médicos ou à sua incapacidade para os captar. O problema já não é só do interior do país, já que se constata que zonas como Setúbal e Leiria sofrem os mesmos problemas de falta de médicos especialistas. Mas claro que a Unidade Local de Saúde da Guarda não poderia deixar de constituir o melhor exemplo nacional do descalabro que corrói o SNS. A propaganda, a mentira, a falácia e todos os outros truques de desinformação local a que já nos habituámos não conseguem esconder o estado comatoso em que se encontra o nosso hospital.
Ficámos a saber, em horário nobre da televisão pública, que as operações oftalmológicas no Hospital Sousa Martins já não se realizam há mais de dois anos! Há utentes que são encaminhados para Viseu, Covilhã ou Coimbra, sempre tarde e a más horas, com problemas associados nos transportes, os quais em muitos casos são pagos pelos próprios! Há, inclusivamente, casos em que os utentes sofreram danos irreparáveis na visão por falta de assistência, que chegaram à cegueira. Mais grave ainda é a ULS ter enganado os doentes quando lhes fez acreditar que estavam numa lista de espera que afinal não existia. Esses doentes, ao não estarem em lista de espera não são reconhecidos pelo sistema e tornam-se intransferíveis, ou seja, não recebem o denominado vale cirurgia, mesmo que acreditem que ele deve estar a caminho.
Mas não se pense que é só na especialidade de oftalmologia que se verifica o descalabro. Em ortopedia, um serviço que, pasme-se, tem como diretora uma médica que é dermatologista, se um cidadão tiver o azar de sofrer uma fratura e se deslocar à Urgência num dia em que não há especialista de serviço, é encaminhado para Viseu para ir lá “passar uma noite” e regressar no dia seguinte à Guarda, sem o tratamento que lhe deveria ter sido prestado aqui, para ser finalmente observado pelo médico da especialidade que, entretanto, já esteja disponível no serviço. E já nem sequer falamos na cardiologia, na gastroenterologia, ou em outras especialidades…
A Entidade Reguladora de Saúde (ERS) considerou liminarmente ter existido «negligência grosseira» por parte da ULS da Guarda no que concerne à forma como tem lidado com os doentes. Considerou igualmente, sem papas na língua, ter ocorrido «claro prejuízo para a saúde dos utentes».
Em qualquer estado de direito que se prezasse, a administração de uma instituição submetida a tais epítetos por parte da entidade máxima que supervisiona a saúde em Portugal seria imediatamente conduzida a um tribunal para ser devidamente responsabilizada, caso não tivesse a hombridade de se antecipar e de se demitir imediatamente após o enxovalho representado pelo puxão de orelhas até aos calcanhares que lhe foi agora dispensado pela ERS.
Mas o problema é que os interesses de quem nomeia e de quem é nomeado fazem parte do jogo de máscaras que governa há muitos anos a ULS. O sentimento de impunidade dos responsáveis é total! Para eles, entrincheirados que estão na malha dos seus aparelhos partidários, qualquer crítica é sempre lida como um ataque político. Por isso, falar-se de políticos que nada fazem pelo distrito é chover no molhado. Quantos Orçamentos de Estado vão sendo aprovados e quantas administrações incompetentes vão sendo nomeadas, para gáudio dos mesmos, sem que haja uma revolta, uma indignação, um cerrar de dentes face à cada vez maior degradação da nossa saúde? Quantos?
Falaciosamente, a ULS defende-se com a desculpa esfarrapada de que as vagas são abertas, mas nenhum médico concorre. Mas quem quer vir para uma suposta equipa de, por exemplo, futebol, que seja treinada por, digamos, um praticante de natação? Ou para uma equipa que nem sequer tenha treinador, como é o caso da oftalmologia há dois anos? Quem quer vir para uma casa aonde a desorganização e o desnorte imperam e aonde são muitas vezes os falhados, os incompetentes e as absolutas nulidades quem influencia ou determina o rumo das decisões?
Como afirmou o representante da Ordem dos Médicos, a ULS é cada vez mais uma agência de transporte de doentes para outros hospitais. Mas já que a instituição não consegue, não sabe ou não quer tratá-los, ao menos haja a dignidade de não se andar a enganá-los e a querer tomar-nos a todos como parvos. Para isso já temos os habituais politicozinhos da treta, aqueles imprestáveis do costume que o sistema vomita e que infetam tudo o que é aparelho de Estado. Haja pachorra!
Os aldrabões, a incompetência, o vómito e a pachorra
“Mas claro que a Unidade Local de Saúde da Guarda não poderia deixar de constituir o melhor exemplo nacional do descalabro que corrói o SNS.”