“Onde a Cultura Resiste”

Escrito por Romeu Curto

Castelo Branco e Covilhã. Duas cidades separadas por quilómetros, mas unidas por uma vontade comum: não deixar que o tempo apague o brilho das suas gentes.

Castelo Branco e Covilhã. Duas cidades separadas por quilómetros, mas unidas por uma vontade comum: não deixar que o tempo apague o brilho das suas gentes. São lugares onde o ritmo é mais sereno, mas a luta por relevância é constante. E no coração desta resistência cultural estão duas associações jovens que recusam a ideia de que viver no interior é sinónimo de resignação: a InterrogAção e a CISMA.

A Covilhã, com a sua herança de fios e teares, é um lugar onde as histórias da indústria têxtil se entrelaçam com as montanhas. Mas hoje, são outras mãos que trabalham o tecido social, e a CISMA é um dos seus tecelões. A associação transforma ideias em eventos, livros e experiências. Republicou Montalto, de Manuel da Silva Ramos, um retrato de uma Covilhã cheia de ambiguidades, entre a modernidade e a memória. Oferece sessões de cinema que devolvem à comunidade a magia da sétima arte, organiza workshops, concertos e espaços abertos para criação. Não é apenas um lugar; é uma chamada. Um convite a fazer, criar, cismar.

Já em Castelo Branco, a InterrogAção faz jus ao nome. Não oferece respostas fáceis, mas convida ao pensamento, à dúvida, à conversa. É um espaço que questiona a relação entre cultura e comunidade, criando pontes com exposições, debates, intervenções comunitárias e cinema. É um manifesto cultural com a missão de “emancipar” através da arte. E nessa interrogação constante, as pessoas encontram o que muitas vezes falta: um lugar para se sentirem parte, para se pensarem como agentes do seu espaço e do seu tempo.

Estas associações são mais do que plataformas culturais. São âncoras numa região que luta contra as correntes da desertificação. São uma forma de segurar os que ficam e atrair os que partem, nem que seja por um momento. Porque a verdade é que o interior não desiste. Há sempre mãos que constroem, que cismam, que interrogam, mesmo quando tudo ao redor parece dizer que é tempo de partir.

Como escreveu Manuel da Silva Ramos em Montalto:

“Assim era a vida… / Uma vez que a urdiste, tece-a.” (p.375)

E assim fazem a InterrogAção e a CISMA, tecendo, com paciência e determinação, os fios que mantêm estas terras vivas e vibrantes. Obrigado por nos lembrarem que a cultura não é um luxo, mas uma necessidade. Que entre as montanhas e as margens do tempo, há ainda espaço para sonhar, para criar, para resistir.

Esta mensagem não é apenas um agradecimento, mas um apelo. Se queremos que o interior floresça, não basta reconhecer o trabalho destas associações; é preciso apoiá-las. Seja participando nas suas atividades, colaborando como voluntários, ou simplesmente espalhando a palavra sobre o que elas fazem. Porque, no final, o que está em jogo não é apenas a sobrevivência destas associações, mas a identidade de uma região que merece ser mais do que uma nota de rodapé na história do país.

*Menciono apenas a InterrogAção e a CISMA, não por desvalorizar o trabalho das outras associações culturais do nosso interior, mas porque são estas que acompanho de perto, seja pelo elevado número de atividades que promovem, seja pelas relações pessoais que tenho com alguns dos seus membros. Certamente há muitas outras associações de jovens que desempenham um papel essencial nas suas comunidades, e ficarei com gosto em conhecê-las melhor, se o leitor quiser partilhar comigo. Afinal, o interior é vasto, e a cultura que o mantém vivo merece ser celebrada em todas as suas formas.*

Sobre o autor

Romeu Curto

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