Oligarquia, opacidade e muitos interesses

Escrito por Jorge Noutel

E, quando menos se esperava, eis que mais uma crise política surge em Portugal. Com o anúncio que o país estava bem e recomendava-se, coisa pouco ou nada sentida pela maioria dos portugueses, eis que rebenta a célebre “bomba atómica” – dissolução da Assembleia da República com a mais que provável votação contra a moção de confiança apresentada pelo governo da AD. Os partidos com assento parlamentar, com exceção do PSD e CDS, não queriam eleições. A AD tudo fez para criar um facto político que levasse Marcelo a convocar eleições. Tudo tentaram, desde a célebre novela da aprovação do Orçamento. O PS não desejava as eleições. Pedro Nuno Santos sabe que o partido não tem ainda a coesão necessária para eleições. Veja-se o caso da decisão sempre adiada do candidato presidencial apoiado pelo PS. Costa deixou o partido em cacos. E pior atirou os portugueses, com o famigerado superavit, para a miséria. Os serviços públicos completamente degradados e o custo de vida em subida galopante sem que os salários e pensões consigam fazer-lhe frente. Os anunciados aumentos revelaram-se diminutos e o desemprego sempre a aumentar. Montenegro surgiu como o D. Sebastião que salvaria tudo e todos. A coligação AD foi restaurada em 21 de dezembro de 2023, abrangendo as eleições legislativas de 2024, eleições regionais dos Açores de 2024 e eleições europeias de 2024, e em sintonia com os acordos locais para as autárquicas de 2025. Tudo parecia correr bem! Mas eis que com a célebre Lei dos Solos surge o caso do incumprimento por parte de Montenegro e do seu Governo da publicação de registo de interesses. Governo não disponibilizou online os registos de interesses dos seus membros, o que contraria a sua obrigação legal. Logo se entrou numa espiral de contradições de exclusividade do primeiro-ministro e do recebimento indevido de avenças de empresas ligadas a uma empresa familiar. Luís Montenegro violou a lei da exclusividade prevista no regime de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos. A lei impede a acumulação destes cargos com outras funções remuneradas, à exceção das atividades de docência no ensino superior e de investigação. Há que lembrar que a falta de transparência nas declarações interesses dos governantes não só é contraditória com a lei, como com a própria retórica de Luís Montenegro, que no seu discurso de tomada de posse apresentou como prioridade o «combate à corrupção» e uma governação «séria» e «transparente». Também o programa do Governo se comprometia a «reforçar as regras de transparência, controlo dos conflitos de interesses, incompatibilidades e de impedimentos dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos», mas tudo acabaria, mais uma vez, por serem vãs promessas. A falta de transparência de Luís Montenegro acentua-se a cada dia. A recusa em dar explicações convincentes sobre a atividade da empresa familiar, da embrulhada da transferência da empresa para o nome da mulher e posteriormente para os filhos adensou ainda mais a falta de transparência A nuvem de fumo aumenta quando se recusa a dar explicações e a indicar as empresas que tinham contratos com a empresa. Mas sobre transparência dos vários governos nacionais e locais estamos conversados. Os factos comprovam que Montenegro mentiu aos portugueses nas propostas por ele apresentadas aquando das eleições legislativas de 2024. Como salienta a professora doutora Raquel Varela, «o primeiro-ministro mentiu ao país com imensa convicção. Mentiu quer nas políticas de salvar o Serviço Nacional de Saúde, quer na Educação, nos salários, nas pensões, nos aumentos da função pública, na habitação. A única vantagem deste teatro todo é que ficámos a saber aquilo que evidentemente já sabíamos. Ou seja, Montenegro não representa o país, nem tem nada a oferecer ao país». O que Montenegro representa são os interesses económicos dos amigos e dos militantes do partido que vão a ocupar lugares nas várias administrações e instituições. Só no Serviço Nacional de Saúde 14 administradores hospitalares foram afastados. Já vamos em três diretores do INEM e três diretores executivos do Serviço Nacional de Saúde. Todos exonerados por polémicas várias. A troca de cadeiras já é habitual quando há mudança governamental entre PS e PSD, bem o sabemos, nada a admirar. O que mais preocupa é a falta de experiência dos novos nomeados. A ministra vem dizer de forma autoritária que tem «total liberdade de escolher as pessoas que muito bem entende, ela e o Governo». Claro que tem, mas exigia-se rigor, seriedade e transparência nas escolhas. É pedir muito? Lembrar à senhora ministra que são os impostos dos portugueses que pagam tais escolhas e exigia-se que os dinheiros públicos fossem aplicados por forma a salvar os serviços públicos e não à sua destruição. A decisão tomada no Conselho de Ministros de 6 de março em avançar com as parcerias público-privadas em cinco hospitais do país é mais um grave passo na estratégia ofensiva de destruição do Serviço Nacional de Saúde e pior realizada em tempo de impasse face a novas eleições. Nada a estranhar na opacidade que vai a existir em todos os atos públicos.

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Jorge Noutel

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