O som do silêncio

Escrito por Fidélia Pissarra

“No final da apresentação, o silêncio da comunicação social, a falta de curiosidade pela candidata e pelas suas propostas e circunstâncias, comparada com o interesse revelado pelas perguntas colocadas ao candidato no fim da sua apresentação, assim o confirmou. “

Mal a apresentação do candidato terminou, as perguntas dos repórteres dispararam na sua direção: onde, como, quem, quantos, quando? Solícito, como só os candidatos o sabem ser, este também respondeu a tudo o que havia para responder para, ato contínuo e com o ar dos amigos que têm de emprestar dois euros para o café aos que se esquecem da carteira em casa, passar a palavra à candidata. Esta, tartamudeando, lá debitou as palavras previamente escritas para a ocasião e dispôs-se, por sua vez, a responder ao que quer que fosse que a comunicação social tivesse para lhe perguntar.
Que não. Não havia perguntas ou, sequer, qualquer intuito de as arranjar. Nem que fosse à pressa ou de improviso. Por uns bons milésimos de segundo, o ar, naquela quase solenidade, pareceu adensar-se. No entanto, nenhum olhar, gesto ou movimento de corpo nos presentes confirmou que tal tivesse sucedido. Pelo contrário. Entre uma coisa e outra, o efémero silêncio instalado deu em aliviar os apressados e, ainda mais, os receosos das conversas imprevistas. Como em qualquer outro lado, aparentemente, também ali os precavidos continuavam a preferir que o discurso fosse curto, algo vago e um pouco impreciso para que não descarrilhasse muito e impedir que algo descarrilhasse atrás.
Fosse como fosse, de entre a miríade de atributos próprios do silêncio (incómodo, tático, estratégico, cómico, capcioso, esclarecedor, dominante, aterrador, inesperado, ameaçador, expectante, confrangedor), este estava pleno de todos eles e só a sua efemeridade o distinguia e impediu que dele se traduzisse o essencial do seu significado. Ao fim e ao cabo, aquele silêncio tanto podia significar ausência de interesse pelo modo como pelo género. Tanto podia decorrer do desinteresse pelos assuntos que a candidata propunha tratar como pela própria intenção e só isso nos impedirá de afirmar que o silêncio, no caso, decorrente do desinteresse e ausência de curiosidade dos jornalistas, relativamente ao projeto da candidata, resultou mais do género da própria candidata do que do género das suas propostas.
O que, juntamente com a inadvertência observada em quase todos os presentes, também não ajudará a se consiga concluir se as candidaturas, as questões relacionadas com as candidaturas, que mais interessam aos jornalistas dependem do género dos candidatos. Provavelmente, não. Mas, enquanto essa dúvida persistir, teremos, indubitavelmente, a certeza de que qualquer movimento que pretenda promover a igualdade e os direitos das mulheres continua a fazer sentido. Todo o sentido, porque, na hora da verdade, as coisas, as reivindicações e propostas das mulheres continuam a importar pouco. No final da apresentação, o silêncio da comunicação social, a falta de curiosidade pela candidata e pelas suas propostas e circunstâncias, comparada com o interesse revelado pelas perguntas colocadas ao candidato no fim da sua apresentação, assim o confirmou. Isso e o facto de que ele há silêncios muito reveladores. Definitivamente, muito esclarecedores. Capazes, inclusive, de responder às perguntas que teimam em não ser feitas.

Sobre o autor

Fidélia Pissarra

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