O movimento Médicos pela Verdade suspendeu esta terça-feira a sua atividade nas redes sociais e a atualização do seu site (medicospelaverdadeportugal.com). Em comunicado, queixam-se do ambiente «concentracionário e repressivo em que vivemos» e optam por suspender a sua página e o seu site «até que sejamos todos livres de novo». Mesmo assim, o manifesto mantém-se no site. Deste, foi particularmente notada a tese de que a pandemia de SARS-CoV-2, mesmo tratando-se de «uma virose respiratória com repercussões pulmonares que podem ser muito graves nos pacientes com imunidade deprimida, doenças pré-existentes ou idade muito avançada», viu a sua real importância e gravidade ser exagerada pelos «meios de comunicação social que insistem em realçar constantemente números cumulativos que não correspondem à realidade atual». Notam também a falta de fiabilidade dos testes RT-PCR, que levaria a um número muito elevado de falsos positivos e mostram-se também contrários à obrigatoriedade do uso de máscaras.
O exagero da comunicação social é comum em tudo o que possa captar a atenção de uma audiência, e não só com a pandemia. Mesmo os jornais de referência cedem à tentação de criar um título de primeira página sensacional, que não corresponde depois à notícia que o desenvolve. A questão da fiabilidade dos testes é assunto que abrange todos os testes, e não só estes, e a obrigatoriedade do uso de máscaras, associada à interiorização por praticamente todos das regras da higiene respiratória e do distanciamento social, permitiu pelo menos uma redução histórica dos casos de gripe neste inverno. Nada disto, a não ser a tese de se exagerar a importância da pandemia, mereceria tanto alvoroço e muito menos justificaria desencadear-se um “movimento”.
Os Médicos Pela Verdade acabaram por embater em vários muros e cair em vários lugares comuns de má nota. Primeiro, quando o Sistema Nacional de Saúde e o Estado optaram por uma estratégia de combate à pandemia que passava pelo alarme da população para a convencer a proteger-se, era inevitável o seu choque com quem, estando integrado no Sistema Nacional de Saúde e sendo pago pelo Estado, dizia que não eram precisas máscaras, que os testes apenas serviam para exagerar os números e que a pandemia não justificava os esforços para a combater. Depois, o manifesto parece mais próximo de uma teoria da conspiração do que de teses científicas devidamente confrontadas com a apreciação dos pares. Eram eles a dizê-lo, e mais Trump ou Bolsonaro, mas não a Academia das Ciências ou a OMS.
Finalmente, houve o confronto com a realidade. Pode haver dúvidas sobre o verdadeiro número de doentes verdadeiros ou de falsos positivos, mas há dois números que parecem rebater as dúvidas sobre a gravidade da pandemia: o número de mortos (que já vai em mais de 14.000) e o número de doentes com Covid-19 em cuidados intensivos (quase 900, ocupando boa parte das camas disponíveis).
Diz-se muitas vezes que uma coisa é a verdade e outra a perceção da verdade e, para a generalidade do público, só a última interessa. Sim, será, mas essa perceção não pode chocar com os factos que sejam incontroversos, como o número de mortos e de doentes em cuidados intensivos: eles morreram, eles estão lá, eles têm ou tiveram formas graves de Covid-19. Para negar isto será necessária uma teoria da conspiração muito mais elaborada do que os autores do manifesto parecem dispostos a aceitar e, talvez por isso, desistiram da sua missão. Fizeram bem.