Passados 9 meses, vamos novamente a eleições… Numa jogada de fuga às responsabilidades e ao escrutínio, em que até figuras livres e esclarecidas se veem compulsivamente posicionadas (com indisfarçável embaraço) num friso de unanimismo acrítico, o primeiro-ministro Montenegro conduziu para o precipício todo o Governo e o partido que lidera.
Fê-lo por uma questão que não é do foro de mais ninguém senão do próprio: não diz respeito ao Governo, aos ministros ou aos partidos que sustentavam a tangencial maioria na Assembleia da República. Mas agora percebemos que estamos perante um líder que, sendo incapaz de assumir as suas responsabilidades pessoais e intransmissíveis, não hesita em arrastar com ele o Governo, os partidos da AD e, se nada fizermos para o impedir, o próprio país.
Hoje é claro que se tratou de um caminho planeado e intencional – desenhado numa folha esquemática.
Como foram chumbadas duas moções de censura, o primeiro-ministro contrapôs uma moção de confiança, sabendo de antemão que nunca seria viabilizada pelo Partido Socialista. A crise que se instalou é sobre a sobrevivência política de um líder em dificuldades, que optou por colocar o seu destino político acima do interesse do país.
Não vale a pena replicarem narrativas que só encaixam na realidade paralela desenhada à medida por agências de comunicação. A realidade dos factos prevalece sobre encenações manipuladoras.
O Partido Socialista suportou até ao limite este Governo, mesmo já em condições insuportáveis…
O Partido Socialista não questionou a legitimidade da maioria PSD+CDS para formar Governo e cumprir o programa, salvou Aguiar Branco como presidente da Assembleia da República, viabilizou o Orçamento de Estado para 2025 e não validou as duas moções de censura contra o Governo apresentadas no espaço de duas semanas.
Ao apresentar uma moção de confiança, o primeiro-ministro Montenegro atirou a toalha ao chão. A moção de confiança foi o seu mecanismo extremo para se libertar de um enredo de onde não estava a conseguir sair.
Até nisso o primeiro-ministro demonstrou um total desrespeito pelas instituições e pelos instrumentos da Democracia.
Quis, em desespero, mercadejar a sua própria iniciativa, quando se apercebeu da falta de apoio da opinião pública. Chegou ao ponto de tentar fazer moeda de troca com a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) pedida pelo Partido Socialista.
O mais comum em funções de responsabilidade política é ser chamado a responder perante uma CPI. E não há nenhum drama nisso. Quem não deve não teme.
As comissões parlamentares de inquérito são um mecanismo essencial de fiscalização democrática, conduzidas em nome dos eleitores e do mandato que estes conferiram aos seus representantes na Assembleia da República.
Promovem a transparência e a responsabilização política, sem confundirem o seu papel com o de tribunais. E assim garantem que a ação dos agentes políticos é escrutinada no respeito pelos princípios democráticos e pelo interesse público, quando se torna evidente a recusa de respostas por outras vias. Foi o que aconteceu neste caso.
Aqui chegados, a AD ensaia a narrativa da vitimização, de que o mundo estaria atónito perante o risco de interrupção do ciclo de tão bons resultados. Sejamos sensatos e puxemos pela memória, com verdade e rigor. Passaram nove meses desde que PSD e CDS assumiram o Governo.
Por mais que se esforcem – de forma propagandística – em negar, os meses que vivemos foram ditados pela herança do trabalho realizado pelos governos do Partido Socialista entre novembro de 2015 e março de 2024.
Durante o ano de 2024 a AD governou com um Orçamento de Estado apresentado pelo Governo do PS, que tanto criticou e contra o qual votou.
Um “orçamento pipi, que parece que faz, mas não faz”, como glosou o então presidente do PSD, na oposição.
Mas um orçamento que permitiu o equilíbrio nas contas públicas, a continuação do crescimento económico, o emprego em níveis históricos, a valorização dos rendimentos e a capacidade de investimento em serviços essenciais para os cidadãos. Não houve outro. Nem sequer retificativo.
O que vimos no último ano foi um Governo sentado sobre os bons indicadores económicos que recebeu, que distribuiu aquilo que já estava programado ser distribuído, sem iniciativas estruturais relevantes, com anúncios sem concretização e com uma postura permanente de gestão de curto prazo, tentando agradar a todos os que votam.
Pelo contrário, o Partido Socialista, mesmo na oposição, continuou responsavelmente a procurar consensos parlamentares para fazer aprovar medidas essenciais para a vida das Pessoas.
O desagravamento fiscal sobre os rendimentos, que os trabalhadores bem sentiram a partir de setembro e outubro, resultou de uma iniciativa do PS. A diminuição do IVA sobre a eletricidade também.
A 1 de janeiro de 2025 foi abolido o pagamento de portagens nas, agora de novo, autoestradas sem custos para o utilizador (SCUT), igualmente graças ao PS e à concretização de uma medida que estava inscrita no programa eleitoral.
Três exemplos de ação concreta a favor das Pessoas.
Ainda bem que não houve tempo para a AD começar a concretizar o seu próprio programa. Porque bem sabemos o que estava para vir, desde a progressiva privatização da Saúde, da Educação e da Segurança Social à anulação das conquistas dos direitos laborais, passando pelo congelamento nas respostas sociais para a infância ou para o envelhecimento.
Programas de apoio ao Emprego e à contratação de Jovens como o “Avançar”, o Compromisso Emprego Sustentável, o Qualifica, o “Regressar” ou o “Interior Mais”? Quase todos revogados ou então com nomes mudados para garantir apropriação.
Ainda bem que o interior vai poder escolher um novo Governo, que assuma o interior como prioridade e não acabe (como a AD acabou) com as medidas de discriminação positiva, que acredite e implemente no Porto Seco, no Hotel Turismo, no Plano de Revitalização do Parque Natural da Serra da Estrela, que não reative as portagens e que não desinvista na ferrovia.
Ainda bem que estamos a tempo de afastar quem suspendeu (com desculpas e teias de burocracia) a abertura do novo e moderno Centro Materno Infantil da Guarda, que o Governo do PS deixou pronto após um investimento de quase 10 milhões de euros.
É uma saga terrível sobre a Saúde na Guarda nas últimas décadas: o PS investe, moderniza e constrói; a AD suspende, cancela e desiste.
O “orçamento pipi, que parece que faz, mas não faz”, afinal é tudo o que a AD tem para mostrar, antes de se atirar propositadamente para o abismo.
As Pessoas saberão fazer comparações e saberão escolher.
As Pessoas não são figurantes que alguns julgam manipuláveis, mas sim atores interventivos e plenamente conscientes do caminho que sabem que é o certo, corajoso e o que faz sentido.
* Deputada do PS na Assembleia da República eleita pelo círculo da Guarda