Cada roca com seu fuso, cada terra com seu multiuso. É com este devaneio o que se me oferece dizer perante a discussão que vai havendo nalgumas terras, numa fase em mudança de ciclo, abrindo-se a dos passadiços.
Como já sou novo há muitos anos, lembro sem saudade o tempo em que os municípios e as freguesias se engalanavam para inaugurar um chafariz numa qualquer terra, com as forças vivas entusiasmadas e com os asperges a dar água a novas águas. Era um tempo em que a água canalizada chegava a 45% dos portugueses nos meios urbanos e em que o saneamento básico andava nos 28%, segundo números dos anos 60.
Com o advento da democracia, o maior desafio das autarquias foi mesmo a implementação de um serviço universal de água canalizada e, tanto quanto possível, a instalação de um sistema de saneamento básico alargado às populações. Foi um tempo em que os autarcas diziam que se “enterrava dinheiro”, e terá sido esse esforço quase generalizado do poder local que trouxe evidentes melhorias e hábitos diferentes ao quotidiano dos portugueses. Aqui terão começado algumas “corrupções” na democracia, situação que, ao contrário do que se diz, foi também uma herança nunca abandonada dos tempos da ditadura.
A fase seguinte foi a construção de campos de futebol em tudo o que era sítio, e nalguns lugares havia campo e nem se conseguia arranjar gente para que duas equipas se defrontassem. Entretanto passou-se a fase das rotundas e dos caminhos alcatroados, nalguns casos apenas polvilhados de preto e simultaneamente algumas contas bancárias de alguns decisores engordavam em função da altura da camada de alcatrão. Isso e o patobravismo que se instalou no urbanismo, ajudou a desfear as cidades e a alindar alguns patrimónios de “gente influente”.
A moda começou a ter vistas para o futuro quando se começaram a fazer as casas mortuárias, exigência de quase todos os presidentes de Junta a um candidato a presidente de Câmara em altura de eleições.
Como começava a estar tudo feito, e os autarcas para brilhar já desconseguiam arranjar obras que lhes dessem protagonismo, lembraram-se de polvilhar pelo país polidesportivos com balneários e iluminação, em muitos casos para a prática desportiva das populações. O que aconteceu é que apareceram com muitos anos de atraso e já os potenciais utilizadores tinham desaparecido, e o envelhecimento das terras passou a colocar em lugar de evidencia o centro de dia e o lar que são hoje os únicos espaços que mantém as aldeias com vida! Hoje, estão degradados e local de outras práticas.
Veio, entretanto, a febre dos multiusos e muitas vilas e algumas aldeias passaram a construi-los e a afirmarem-se como autênticos elefantes brancos de utilização muito reduzida. Como são estruturas demasiado grandes exigem manutenção, que muitas vezes os depauperados cofres das autarquias não conseguem fazer valer. Ainda se vive na fase em que o meu multiusos é melhor que o teu, e aqui estamos à espera de saber que “multiusualidade” lhe vai ser dada, numa feira de vaidades em que talvez não fosse nada mau começar a pensar reparar redes de esgotos e de águas com décadas de utilização.
Julgo que a seguir vamos ter a época dos passadiços, tantos são os projetos e primeiras pedras atiradas. Não há fome que não dê fartura, mas acho muito bem que se complementem as praias fluviais, um fenómeno justificadamente em crescimento, com essas alternativas para o desenvolvimento do turismo de interior, provavelmente um dos poucos sectores de atividade que fixará no interior os que cá estão, e nunca os que para cá vêm, mesmo com a atribuição da terminação da taluda, como fez recentemente o Governo. Mas tudo isto sou eu a escrever, e tenho mau feitio!!