Corria o ano de 1901, dia 15 de agosto, com toda a solenidade, sob a presidência de D. Tomás Gomes de Almeida, bispo da diocese, e na presença de todas as autoridades, e a assistência da Guarda inteira, foi lançada a primeira pedra do novo hospital da Santa Casa da Misericórdia. Era um sonho que começava a ser realidade.
O primeiro Hospital
Onde seria o primeiro Hospital da Guarda? Não se sabe ao certo. Seria na zona de São Vicente, por detrás da antiga cadeia, ou entre as ruas do General Póvoas, 31 de Janeiro e do Sol, onde ficava a Misericórdia velha?
Mais tarde, após a reconstrução da Igreja da Misericórdia, o hospital foi instalado num edifício robusto que lhe fica contíguo e que terá sido construído para esse fim.
Eram instalações razoáveis para o tempo e satisfaziam as necessidades do concelho. Ao longo dos anos foram sofrendo algumas alterações, tendo as mais significativas sido realizadas em 1886, com a construção de uma nova enfermaria, com pedra vinda do forte do Marquês de Alorna.
Na altura aproveitou-se para rebocar, caiar e «limpar a vassoura de arame» o hospital, a igreja e as torres, e a botica. Mas por grande que tenha sido este esforço, não passou de um mero remendo e a “Mesa” da Santa Casa, presidida pelo padre Dr. Francisco dos Prazeres, entendeu ser melhor construir um hospital novo e de raiz.
Foi uma decisão difícil, que irá absorver todos os seus recursos durante anos, pois não havia dinheiros públicos a que recorrer e a Santa Casa não tinha meios próprios. Lançou mão de tudo para diminuir as despesas, chegando a deixar de realizar a Procissão dos Passos, que estava profundamente enraizada nas gentes da Guarda e que todos os anos atraía multidões à cidade.
O Campo dos Bois
Foi nomeada uma comissão presidida pelo novo Provedor, Dr. José Gomes, secretariada pelo padre Carlos da Paixão Borrego, que imediatamente tratou de encontrar o local mais adequado. Pensou-se na Quinta do Chafariz, onde pouco depois foi construído o Sanatório, ou no espaço onde está hoje a Câmara Municipal, mas acabou por ser escolhido o Campo dos Bois, um baldio municipal.
O projeto do edifício foi feito pelo eng. Costa Simões, na altura o maior especialista do país. Tinha três pavilhões: um destinado à administração, capela, “banco” e sala de operações; outro, a enfermaria de homens; e o terceiro a enfermaria mulheres, com oito camas reservadas a “toleradas”. Os pavilhões eram unidos por galerias, que só muito mais tarde foram integralmente cobertas, o que, dado o clima da Guarda, não propiciaria muito conforto.
A obra foi posta a concurso, mas o baixo valor orçamentado foi adiando o início da construção, de tal maneira que só em 1901 foi lançada a primeira pedra.
A inauguração
«Sede bem-vinda!
O vento não leva as flores da alma, nem o gelo crystalisa o affecto dos corações.
Também nos cumes da serra há rosas de luz e fulgor; as rosas das altas montanhas são mais puras e brilhantes porque nascem perto do céu, e, assim como as flores, os corações nascem mais perto do sol teem mais luz e ardência, respiram mais gratidão e amor».
Palavras maravilhosas dirigidas pelo jovem padre Alvares de Almeida à Rainha, Senhora Dona Amélia.
Foi já com as obras concluídas, mas com o Hospital ainda a precisar de equipamentos, que foi decidido fazer a sua inauguração no dia 18 de maio de 1907. Foi uma questão de oportunidade. É que a Família Real vinha nessa altura à Guarda presidir à inauguração do Sanatório Sousa Martins e, portanto, nada melhor que dignificar com a sua presença uma obra que obrigara a tantos sacrifícios.
É verdade que a inauguração do Hospital ficou um pouco subalternizada em relação ao Sanatório, mas mesmo assim valeu a pena e constituiu para a Santa Casa e para a cidade um grande motivo de orgulho.
Simbolicamente, os doentes pobres foram transferidos do velho para o novo hospital nas melhores carruagens que a fidalguia da Guarda tinha.
O primeiro diretor clínico foi o Dr. Lobo de Carvalho e, por recomendação sua, a assistência passou a ser prestada pelas Irmãs Hospitaleiras.
Hospital Dr. Francisco dos Prazeres
O Dr. Francisco dos Prazeres foi a alma do Hospital. Quando morreu, a 22 de maio de 1918, levantou-se a ideia de lhe prestar a devida homenagem. O nome de uma rua? Uma estátua? De tudo teve, mas a mais significativa foi sem dúvida a que lhe foi prestada em 1922, atribuindo o seu nome ao hospital, pelo qual tanto tinha lutado. Em 1975 foi integrado no Sanatório Sousa Martins, daí resultando o Hospital Distrital da Guarda, hoje Hospital Sousa Martins.
* Investigador da história local e regional