Dois dias de temperaturas elevadas bastaram para nos devolver à realidade de um país frágil e abandonado. Dois dias de calor extremo e o fogo voltou a infernizar a vida dos que teimam em viver no interior, dos que vivem em sobressalto a cada verão, dos que acreditavam que depois de mais de 100 mortes em 2017 o país tinha mudado, mas não mudou.
Como em cada verão, aí estão os incêndios para mostrarem que todas as medidas foram em vão, porque o fogo é mais forte que o combate e o aumento de meios são, afinal, dinheiro que se atira às chamas. O que não arder agora, irá arder amanhã, porque o fogo faz parte da nossa circunstância. E o que se exige é a melhor gestão do campo, da floresta, do mundo rural. O que se exige são medidas contra o despovoamento, em defesa da natureza, do ambiente e da vida no campo. Sem economia rural, não pode haver pessoas no campo. Sem recursos, ninguém fica na aldeia. Sem modo de vida e futuro, todos têm que partir. Por isso, a primeira opção para combater a tragédia dos incêndios está a montante: nas medidas de fixação de pessoas nas nossas aldeias e vilas. Depois virão as medidas de prevenção, a educação ambiental, a limpeza e o ordenamento da floresta – e se foi feito um caminho extraordinário de prevenção, de investimento em infraestruturas de combate, em proteção civil, em limpeza de caminhos e estradas, ainda há muito para fazer. E não vale a pena procurar culpados, porque é fácil empurrar as culpas para a falta de meios, quando são imensos, para os autarcas, como se o poder central não tivesse responsabilidade no planeamento e gestão do território e esquecendo que se não fosse o poder local a tragédia seria ainda mais violenta; não vale a pena gritar que os incendiários têm de ser metidos na prisão, quando muito para além da origem do incêndio é necessário combatê-lo e planificar as formas mais eficientes de o controlar. Não é possível excluir o fogo do ecossistema mediterrânico, onde o fogo existirá sempre – com as alterações climatéricas haverá secas cada vez mais prolongadas, menos humidade no ar e mais condições naturais propícias à propagação do fogo (sem esquecer as muitas ignições, o vento, a biomassa e a flora predominante).
Mais do que culpados pelas ignições, precisamos de uma política para o território, precisamos de um plano para o país, precisamos de dar futuro ao campo. Até lá, se o nosso concelho não arde, arderá o concelho vizinho; até lá, se não arde este ano, arderá no próximo.