O direito à habit(u)ação

Escrito por Carlos Peixoto

“Enquanto não mudarem radicalmente as políticas de incentivos para as regiões ditas mais desfavorecidas, tudo muda, mas para muito pior, e daqui a alguns anos nada restará para cuidar. “

Só os distraídos ainda não perceberam que este plano governamental para a habitação é um embuste fruto do desespero de quem só sabe tratar “pneumonias com aspirinas”.
Sejamos sérios. A crise de habitação em Portugal só existe verdadeiramente nas cidades maiores, especialmente em Lisboa e no Porto e nas respetivas periferias. No resto do país não faltam casas vazias, e que não tarda vão até ficar abandonadas. O drama é que mesmo que o Governo as queira ocupar forçadamente, não há quem queira ir viver nelas. Esse drama chama-se despovoamento e desertificação do interior, já tem décadas sem tratamento eficaz e parece não ter salvação à vista. Quem elegemos não tem tido vontade, nem capacidade, de pensar o país para além da próxima eleição e por mais que ensaie tentativas de resolver os problemas das regiões mais populosas, a melhor forma de os resolver é apostar e desenvolver as cidades de média dimensão, aliviando a pressão que se abate sobre as grandes.
A agricultura deixou de ser cultura, a saúde está doente, a atividade económica é anémica e a fixação de jovens e de talentos parece ser uma luta perdida. Enquanto não mudarem radicalmente as políticas de incentivos para as regiões ditas mais desfavorecidas, tudo muda, mas para muito pior, e daqui a alguns anos nada restará para cuidar. Mas não falando de questões estruturais, para as quais quem está no poder há 7 anos não está decididamente talhado, incomoda que mesmo nas decisões conjunturais também não consiga “pôr o dedo na ferida”.
Astuto como é, no arrendamento coercivo e no futuro do alojamento local, medidas polémicas, o Dr. Costa sacudiu a água do capote e deixou a batata quente nas mãos das autarquias, dizendo que elas são livres de as pôr ou não em prática, para que depois, se as não puserem, as culpar de serem elas as responsáveis pelos insucessos e incapacidades dos seus mandatos. Uma habilidade a toda a prova e uma lata sem limites. Mas já no que depende de si, o Governo fica a meio da ponte e chuta para canto. Não mexe na “lei dos despejos”, que continuam a ser quebra-cabeças para os senhorios, não se importa que os arrendatários possam denunciar o contrato de arrendamento logo que decorrido um terço do prazo do contrato enquanto os donos das casas têm de respeitar esse prazo até ao fim, não investe na construção pública, que nos últimos anos foi uma miragem, pouco faz para eliminar a burocracia na obtenção dos licenciamentos e tributa os rendimentos prediais como se diamantes se tratasse.
Depois queixa-se que há casas fechadas e que os seus proprietários manifestem as maiores reservas em colocá-las no mercado de arrendamento. Este modo de pensar “costista”, que sanciona os privados só por terem imóveis, que acha que são irrecomendáveis por só pensarem no lucro e que os vê como pecadores por expulsarem inquilinos na primeira oportunidade, é não só falso e preconceituoso, como é inimigo de uma sociedade próspera, aberta, competitiva e com perspetivas de futuro. É verdade que nalguns sítios o problema existe e que tem de ser regulado, mas não se percebe porque se insiste em Lisboa tratar de forma não muito diferente o que é abissalmente diferente. Habituemo-nos a este “fado”. Habituemo-nos a medidas que a nada conduzem e que não servem os direitos nem dos inquilinos nem dos senhorios, nem os interesses do litoral ou do interior. Este plano foi feito em cima do joelho apenas para que de um dia para o outro o país deixasse de falar nas trapalhadas da TAP e do Governo, e não para resolver os problemas dos portugueses, que continuarão habituados a não ter habitação a preços ao alcance dos seus bolsos e ordenados. Enquanto o tempo passa e grassa esta saga do faz de conta, a economia portuguesa envergonha a ponto de já ter sido apanhada em PIB per capita pela pobre Roménia. Mas que interessa isso se temos sol e praia e o Benfica vai na frente?

* Advogado e presidente da Assembleia Distrital do PSD da Guarda

Sobre o autor

Carlos Peixoto

Leave a Reply