Dia da Mulher. De todas as mulheres, de todas as idades e em todas as geografias. Todos os dias.
Dia de trabalho – domicílios
A (tempestade) JANA oferece vento e chuva fria. Estamos na Guarda.
Ao avistar Celorico da Beira, raios de sol entre a chuva e um arco-íris ao longe – cores perfeitas em arco coxo.
– Força Dr. ! Avance, no extremo do arco-íris há um tesouro!
Avançámos até às Lameiras (Fornotelheiro – Celorico da Beira).
Uma casa modesta, vários degraus de pedra irregular, uma senhora idosa e uma filha de meia-idade.
– Ainda bem que veio Senhor Dr., que cruz nos tirou de cima. Venha, venha ver o pai, não olhe!
O que vemos: um idoso, bem cuidado, sem comunicação com as cuidadoras quanto mais com um intruso.
– Sabe Dr., está entrevado há vários anos. Veja Dr., pode ver, a pele está um mimo. Eu e a minha filha cuidamos dele melhor que de nós. Senhor Dr., pode levar a almofada anti-escara, não nos serve, é… melhor levá-la para servir a outra pessoa.
(É assim o dia a dia destas duas mulheres, no Dia Internacional da Mulher, na véspera e no dia a seguir).
– Vão com Deus, com jeito, a estrada é muito estreita, sempre na direção do Barco, passam por uma ponte muito estreita, sem bermas, não se assustem, passam a linha de comboio em obras, parece que estão paradas, e avançam para a estrada de Fornos em direção a Vila Franca da Serra.
– A estrada é mais estreita e tem um poste de alta tensão a estrangulá-la, diz a Isabel. A ponte mete mais medo do que nos disseram as senhoras.
Vários quilómetros, vereda, curvas e remendos, o pontão a torre de alta tensão. As obras da linha da CP, dentro do habitual – (paradas e paradinhas).
(Por onde andam os fundos da coesão)
Chegamos a Vila Franca da Serra, uma senhora sem idade (depois dos 70 não se contam), um primeiro andar alto, muito alto, degraus de cimento difíceis de transpor mesmo aos 60.
– Senhor Dr., vem ver o meu homem? Venham, entrem, a casa é vossa. Sabe, tem uma doença ruim dos músculos, já não anda desde 2015, não come: dou-lhe por esta seringa, de resto não falo, o senhor Dr. bem sabe…
– Pois, eu e a minha filha é que tratamos dele. Pois, quem havia de tratar, se nem cá vêm?!
A minha filha pediu este papel, porque na Segurança Social não a apoiam. Que necessita de ir ao tribunal, tem de ir à Segurança Social, tem de ir à Guarda. Diga, senhor Dr., se pode sair? Como?! Querem acabar com ele?
Tenho pena que não vejam a minha filha, foi buscar fraldas! Olha, olha está a chegar!
Ainda trocamos três ou quatro frases com a filha. Mulher de meia-idade com rugas fundas. Ânimo à flor da pele.
– Sabe, senhor Dr., se não me derem o estatuto de cuidador informal com este atestado, seja o que Deus quiser, de casa vivo é que ninguém mo tira. Isso é matá-lo. E eu não deixo.
(É assim o dia a dia destas mulheres, no Dia Internacional da Mulher, na véspera e no dia a seguir. É assim a administração pública, hoje. E no futuro?)
Garganta apertada, olhos rasos, meto conversa com um idoso no adro.
– Bom dia, como está? Como está a terra?
– Então é como vê, pouca gente. Olhe, estou a espreitar o sol, ainda não veio ninguém beber um café.
– Vamos lá estrear essa máquina.
– Chamo-me Alípio, tenho o único café da terra. Tenho 77 anos. Quando eu acabar, acaba o café e a vida na aldeia. É uma pena… Não está mau o negócio, vêm cá muitos estrangeiros das quintas, aqui da zona. Deixam um bom dinheiro.
(É assim o meu Interior – hoje. Como será amanhã?)
Enquanto a realidade persiste, em Lisboa brinca-se às eleições.
Esquecem o que lembra o povo: quem semeia ventos, colhe tempestades!