Quando, no início do século XX, uma menina terminava a ensino primário não encontrava na Guarda uma casa onde pudesse dar continuidade aos seus estudos. Havia o Liceu, é verdade, mas pouco versado ao ensino feminino. Por isso, recorria-se ao ensino privado e a algumas casas de boas famílias. Mais instrução tinha que ser procurada em colégios religiosos, e fora da Guarda. Era uma situação complicada para os pais e para as filhas pelos custos económicos que acarretava e pela separação familiar, sempre dolorosa. Isto, em tempos em que até o grande Eça de Queiróz afirmava: «A mulher, pela simples constituição do seu cérebro, é adversa ao estudo e à ciência».
Colégios da Guarda
Em finais do séc. XIX, princípios do séc. XX, as instituições de ensino oficial existentes na Guarda eram o Seminário, com 151 alunos, o Liceu, com 98 alunos, a Escola Distrital de habilitação para o magistério primário, com 99. Quanto ao ensino particular, havia o Instituto Académico da Guarda fundado em 1894, na Rua General Póvoas; o Colégio Egytaniense fundado em 1899, na Rua do Mirante, e que admitia estudantes à mesada; e ainda um colégio feminino, o primeiro de que há notícia, o Collegio Portuguez, anterior a 1899.
Colégio de Nossa Senhora de Lurdes
D. Manuel Vieira de Matos, bispo da Guarda, tomou posse da Diocese em 1903 e rapidamente se apercebeu das carências que a cidade apresentava na área educativa feminina.
Também os pais sentiam o mesmo, daí que no Verão de 1904 uma “comissão de cavalheiros” da cidade se tenha dirigido ao novo bispo solicitando a sua boa vontade na resolução do problema, nascendo, desde logo, a ideia de criar um colégio.
A esta solução não deve ser estranha a influência do padre Fernando Pais de Figueiredo, que tinha vindo para a Guarda a convite do bispo para lançar as bases da imprensa católica, vindo a ser administrador do semanário “A Guarda” e fundador da União Gráfica, e que tinha uma irmã nas Doroteias. Por outro lado, na Covilhã funcionava com muito sucesso um colégio feminino dirigido pelo Instituto das Irmãs Doroteias, e D. Manuel decide adotar a mesma solução para a Guarda.
Acrescia, ainda, que uma das principais famílias da cidade, tinha uma filha no Instituto, Maria da Conceição Saraiva, filha de Mendo Saraiva, velho fidalgo da Vela. Começou por dirigir uma carta à Madre Superiora das Doroteias, que se escusou, alegando o muito serviço. Dirigiu-se, então, pessoalmente, acompanhado do jesuíta Joaquim dos Santos Abranches (Alvoco da Serra, 1860 – La Guardia, 1926), à Associação de Santa Doroteia, instalada no antigo convento das Inglesinhas, que fora comprado e doado à Ordem pela filha dos condes de Penamacor. Falou com a Superiora, madre Ana Morais, que por sua vez expôs o problema à Curia do Instituto, que veio a autorizar.
Havia agora que encontrar casa apropriada a colégio feminino, que tivesse alguma dignidade. E a casa escolhida não podia ser melhor. Ficava no centro da cidade, na Rua do Encontro, e tinha um grande quintal. O edifício pertencera antes a Manuel Lopes de Sousa, mas tendo este falido, fora arrematado em hasta pública e comprado por Dona Maximina de Mendonça Póvoas, baronesa de S. João de Areias, em 1903.
Inauguração
As Doroteias tomaram posse da casa no dia 18 de novembro de 1904 e D. Manuel Vieira de Matos procedeu à bênção da capela comunitária no dia 21 desse mês.
As professoras, provenientes de outros colégios da Ordem, eram a Irmã Guilhermina Pinto Madureira, também diretora; Maria da Conceição Saraiva; Maria de Jesus Coutinho Castelo; D. Constança Ruas Abreu; D. Rosa de Meneses Almeida e D. Hermínia de Pina, noviça-mestra. Pouco depois chegaram Emília de Matos Chaves e Antónia Arraiano, ambas desta região.
As aulas abriram pouco depois, a 30 de novembro, com a inscrição das primeiras alunas, todas elas de famílias bem conhecidas da cidade: Laura Paiva, Lurdes Madeira, Lurdes Saraiva, Berta Pissarra, Constança Amaral Cabral…
Colégio do Sagrado Coração de Maria
Quando, em 1904, se teve conhecimento da abertura do colégio começou de imediato uma campanha de descrédito, mesmo ofensiva, sob a batuta de José Augusto de Castro, diretor do jornal “O Combate”. Grande amigo da Guarda e de rara sensibilidade, era, ao mesmo tempo, movido numa teia de relações que o tornavam de uma agressividade impressionante para com a Igreja católica. Não era o único na Guarda de então… Por isso, foi sem surpresa, apenas houve conhecimento da revolução de 5 de Outubro, que o colégio de meninas tenha sido encerrado. No dia 6 de outubro a Superiora, na altura D. Maria Antónia Arraiano (Vale de Prazeres, Fundão), reuniu a comunidade a quem deu notícia dos acontecimentos, ordenando às professas que tirassem o hábito, pois que as leis da Républica proibiam as vestes religiosas, assim como as procissões e o toque dos sinos. Num ambiente de angústia e consternação, as religiosas partiram cada uma para as suas famílias. As meninas da Guarda ficaram sem casa onde prosseguir os seus estudos, mas a semente tinha sido lançada. A 4 de novembro de 1927 renascerá noutra casa, e mais tarde, em 1950, ainda numa outra, com magníficas instalações e com a designação de Colégio do Sagrado Coração de Maria.
* Investigador da história local e regional