A velha frase de Lampedusa continua presente no nosso quotidiano de democracia, num país a trabalhar várias velocidades: «É preciso que alguma coisa mude, para que tudo fique na mesma».
Da última ronda eleitoral para as legislativas, a única alteração que houve, foi o facto de alguns distritos do interior – oh pasme-se! – terem perdido deputados para Lisboa, Porto e Setúbal.
As distritaizinhas e as concelhiazecas dos partidos do bloco que governa o país há quarenta e três anos exultam quando os dirigentes nacionais desses partidos ou membros do Governo vêm a este deserto de cada vez menos gente, menos atividade económica, mais falências, etc., prometer coisas novas ou, melhor, camuflarem promessas antigas. Os deputados eleitos do interior passam a ser deputados das cliques partidárias dos baronatos da capital, um pouco ao jeito do que Eça foi escrevendo com a sua verve irónica, principalmente no “Conde de Abranhos”. Mais contundente, Fialho de Almeida, na “Vida Irónica” e nos “Gatos”, trata-os como provavelmente merecem.
Os EUA, numa constituição aprovada em 1787, onde não se fala em democracia, defende que cada estado, independentemente da sua população ou da extensão do seu território, tem o pleno direito de eleger dois senadores, eleitos por um período de dois anos, um órgão que funciona como câmara alta do Congresso! No próprio Congresso a desproporcionalidade entre os estados mais pequenos e os maiores não é tão evidente como em países como o nosso! Este entendimento dos “Pais Fundadores” dos EUA é fundamentado na necessidade de que os Estados mais pequenos, com economias mais débeis e com menos população, não deixassem de ter voz e capacidade de influenciar decisões. Um congressista não é um mero objeto, mas sim alguém que tem que se justificar regularmente junto dos cidadãos do seu Estado, com quem tem mais obrigações para que com o partido!
Em tempos houve aí um placebo que seria a criação dos círculos uninominais. Seria mais um contaminar uma democracia que começa a dar sinais preocupantes de algum cansaço, e a não se alterarem modelos, rostos, métodos, ela pode ser desvirtuada pelos que querem impor projetos ditatoriais travestidos de neoliberalismo soez!
O interior morreu porque sim, e nada nem ninguém irá tirá-lo do marasmo enquanto não houver cá gente. Como disse Camilo Castelo Branco: «Chamo temperados os que se atemperam às circunstâncias do tempo e do meio».
Eu que já vivi muito, a memória é plural e por isso resigno-me a ver passar mais uma campanha eleitoral, com os mesmos protagonistas, em que mesmo alguns novos já são velhos, com batedores de palmas a parágrafos de textos de discursos mais que batidos, e com gente a querer mostrar-se, porque nunca se sabe quando é preciso pedir o favorzinho com o habitual “estive lá”!
«Lembro-me o sujeito que seguia um circo de cidade em cidade. Um dia perguntaram-lhe: porque é que anda atrás deste circo? Porque quero ver quando é que o trapezista cai e morre» – José Saramago.
Vou esperar, taciturno, o fim do Verão!