As pessoas de antigamente sabiam que, ao fim e ao cabo, a vida se resume a esquivarmo-nos ao Bom e ao Bonito. Hoje, embora a maioria das pessoas descenda dessas, algumas, felizmente poucas, parecem descender diretamente dos órfãos da zaragalhada. Em nome do Bom e do Bonito, enquanto método para meter alguém na ordem (seja lá o que isso for), defendem tudo e o seu contrário, na patética tentativa de desencantar mais uns quantos papalvos que os sustentem. Nem que para isso recorram ao insulto, à vileza, ao mais primário que no ser humano subsista, escarnecendo do politicamente correto, em nome de supostas prerrogativas que as pessoas de “bem” deveriam ter sobre as outras todas. As que não serão de “bem”. E, para estes defensores do Estado assente no Bom e Bonito, essas pessoas são quem?
Desde logo, embora a ordem seja perfeitamente arbitrária, serão os imigrantes e, consequentemente, os emigrantes. Todos os epítetos e respetivos fundamentos aplicáveis a uns são, na mesma linha de pensamento, aplicáveis aos outros. Os imigrantes vêm para nos roubar empregos. Logo: os emigrantes vão também para roubar empregos a outrem. Os imigrantes são calaceiros e só vêm para viver dos nossos impostos. Logo: os emigrantes também são calaceiros e só vão para viver dos impostos dos outros. A seguir, ou a anteceder, dependendo da zona do país, vêm os ciganos. Esses infratores de quem a polícia nem pode ouvir falar, impossibilitando que quem defenda uns possa estar ao lado dos outros, como se da disputa de uma taça de futebol se tratasse. Ora, se aos ciganos, só por o serem, se pode imputar todo o tipo de transgressões, segundo esta lógica, aos polícias também. Depois, seguem-se os pretos, os pretos, a menos que pertençam à estirpe dos endinheirados, são por natureza torpes e preguiçosos. A terminar, bem a terminar, de maneira bem mais diluída e abrangente, vêm os pobres. Essa cambada de criminosos que escolheram a pobreza como modo de vida porque se fossem gente de bem não eram pobres. Eram gente de bem que não recebia sem trabalhar. Pelo meio, claro que há ainda meia dúzia de marroquinos a quem trataram da saúde antes de os devolver à procedência. Num Estado subordinado ao princípio do Bom e do Bonito, como regulador e referência, isso nunca seria possível. Não porque se desviasse atendimento médico do SNS destinado aos portugueses de bem, mas apenas por o SNS deixar de existir e ser impossível vedar o acesso a algo que não existe. São assim os defensores do agora é que vais ver o que é Bom e Bonito. Por isso, não é de admirar que comecem qualquer conversa a esclarecer que não são racistas e, depois de explicarem as razões para ostracizarem todos os que forem diferentes daquilo que eles entendem que deveriam ser, acabem a argumentar que só por isto e aquilo é que assumem posições racistas, xenófobas e mais o diabo a sete, que lhes permitam depreciar a democracia. Neste caso, o maior problema será mesmo o dessa depreciação que, longe da daquela raposa que não chegava às uvas, pretenderá mais a imediata condenação e execução em praça pública da dita do que disfarçar quaisquer impossibilidades pessoais.