É bem verdade que a mistura entre a realidade e ficção justifica que o Entroncamento, “terra dos fenómenos”, fosse completamente ultrapassado pelo velho burgo sanchino, não por causa do melro branco, do carneiro de quatro cornos ou da tal planta que por baixo dava batatas e por cima tomates. Nada disso.
Aqui a realidade é outra. Esta terra, outrora repleta de afetos, encontra-se presentemente na encruzilhada silenciosa do destino onde se confrontam várias sombras, quiçá se encontrem alguns esqueletos nos armários (que me desculpe Saramago), e, se calhar, neste dia, como qualquer outro, os tais afetos foram substituídos por um quase ódio puro numa estranha e cínica convivência, que se tem revelado (tal como o Covid) altamente contagiante, o que fez com que a causa bolchevique fosse traída, desacreditando todos os estalinistas, contestado que foi o “apparat”, vindo ao de cima sentimentos de revolta, inveja, vitimização, agressividade, discursos e entrevistas com todas as indiretas contidas e, pasme-se, entrando num (quase) processo de perseguição.
Dir-me-ão que ricas são estas sensações que conseguem passar por cima do tal código genético que Unamuno definiu «o ódio requer realidades presentes» e Ortega e Gassett determina a ligação à circunstância de cada um.
Pois bem, seguindo a realidade das coisas: um ganha outro perde e, se a ganhar se perde e a perder se ganha, o vice-versa é interessante e também nos parece indiscutivelmente verdade.
Nesta bendita incapacidade de enterrar os fantasmas do passado, olhamos para os pretensos fenómenos, são mais que muitos, vindo imediatamente à tona d`água, o outro, o mal-amado, o (ainda) desejado e até o trânsfuga. Finalmente, por artes mágicas, Carlos Chaves Monteiro é o candidato laranja à autarquia da Guarda. Eis o acontecimento!!!
Deixamos para trás a entrevista em todos os jornais, a leitura do tal Plano de Recuperação e Resiliência, onde o litoral mama (nem que a beirã Ana Abrunhosa tussa), o interior fica mesmo a chuchar no dedo e, utilizando este velho tinteiro de que me sirvo para escrever o tal livro do “Desassossego”, vejo Sérgio de Costas quebradas.
Por muito pouco que Chaves tenha feito fez bem mais que o embonecador e produtor de festarolas, esperando para ver se o atual edil opta, ou não, pela lista em efetividade de funções, a tal que foi patrocinada pelo outro, que na primeira oportunidade embarcou para o exílio dourado de Bruxelas.
A história não termina aqui. Muita água vai passar por baixo das mesmas pontes e muitos episódios aqui haveremos de contar. Diz o povo que “perder nem a feijões”.
No revés da medalha a história não foge ao trivial. Socorrendo-me do conto de Saint-Exupéry, verifica-se que o protagonista passava os dias a cuidar do seu jardim que tinha apenas uma rosa. Certo dia decidiu partir, encantou-se pelos predicados de Raimundo Berengário e não deixou ninguém para tratar do jardim. Claro está, o desfecho só poderia ser este: a rosa murchou e morreu. O quinteiro-chefe, lá longe, onde o sol castiga mais, chamou o principezinho à razão e disse-lhe que já não contava mais com ele.
Resumindo: por cá não há cactos de quatro metros, ovos de galinha com quase um quilo, pintos de três patas, mas vemos o toureiro morder no touro, focamos o olho apenas no nosso próprio umbigo, tentamos trepar para a galha que efetivamente não é nossa, sem percebermos qual é a nuvem e quem é Juno, esquecendo-nos, nessa ânsia incontida e vertiginosa do poder, do essencial, que é nem mais nem menos, o projeto de vida que tem obrigatoriamente de apostar na criação de riqueza e fixação de população. É tempo de assumirmos, todos nós, este desafio pois se o não fizermos, se ficarmos apenas e tão só reféns do acontecimento, o desabafo, nesta terra com mais de nove séculos de existência, só pode ser este: Pobre pátria mia que tão mal tem tratado os seus naturais nesta justa homenagem a todos quantos triunfam aquém e além-mar.