Por estes dias, e passado o desassossego da guerra na Ucrânia, o aumento de preço das cebolas e dos ovos, e demais produtos alimentares, fazem as manchetes dos jornais – e as manchetes dos jornais ainda são o que sempre foram: o verdadeiro retrato de determinado momento numa determinada sociedade. Qualquer liberal dirá que é o mercado a funcionar – «é a economia, estúpido!» – mas todos queremos que o governo “tome medidas” e até se pretendem limites de preços, como se estivéssemos numa economia estatizante e o muro de Berlim não tivesse sido derrubado… Mas se todos ansiamos por medidas controladoras dos preços, a verdade é que a escalada na inflação é, numa economia global, difícil de controlar e os consumidores estão na mão da logística e da grande distribuição. Podemos ficar escandalizados com o aumento do preço da cebola ou dos ovos e apreciarmos os 50 processos instaurados pela ASAE, mas os preços não voltarão a baixar, e não descerão por decisão administrativa, quando muito poderão temporariamente ser controlados (“tabelados”?), salvo se a economia de mercado funcionar: tem de haver mais concorrência e menos consumo. Sem aumentar a concorrência – mais supermercados, mais distribuidores, mais lojas competitivas, mais produtos… – não haverá descida de preços! Ou, então, mudarmos de hábitos: passarmos a consumir menos, a comprar menos, a gerar menos desperdício, a termos uma horta, etc.
Mas, por estes dias, enquanto relativizamos as milhares de mortes que ocorrem na Ucrânia, e ficamos em pânico com o preço dos ovos e das cebolas, dois outros assuntos dominam as manchetes dos jornais: os abusos sexuais na igreja e os maus tratos em lares (ou “simplesmente” as más condições em que muitos idosos são depositados em algumas residências).
Como muito bem escreveu Sónia Sapage (“Público”, 13 de março), «ninguém se imagina a envelhecer… até envelhecer. Ninguém imagina que vai acabar a viver num lar… até acabar a viver num lar». O envelhecimento é difícil! E o envelhecimento é muito difícil de assumir. E só os mais velhos o assumem (?). Até esse momento, quase sempre já muito depois de chegada a idade da reforma, quando a autonomia se perde, quando as capacidades físicas e motoras diminuem, se percebe que o envelhecimento é incapacitante e que o resto da vida é ficar à espera… da morte – a expressão de que «velhos são os trapos» é a negação do inexorável… E todos (ou quase) acabaremos a viver em lares, na esperança de sermos bem tratados pelos profissionais, que algum familiar nos visite na nossa solidão, que a comida seja boa e a higiene uma constante. «Precisamos mais de lares do que somos capazes de admitir e só aceitamos que alguns idosos vivam em espaços ilegais e sem dignidade, amarrados a camas e isolados do mundo porque não queremos pensar que um dia (quase) todos vamos acordar numa instituição de apoio à velhice». Por isso, os lares de idosos deviam ser uma prioridade nacional – é urgente defender um PRR para capacitar o país para preparar o futuro dos idosos. Os equipamentos basilares do Estado social são as creches, as escolas, as universidades, os hospitais, os tribunais e têm de ser, também, os lares. A Europa envelheceu e as famílias terão cada vez mais dificuldade em suportar o aumento do preço das cebolas e dos ovos e ainda terem disponibilidade e casas grandes para cuidar dos seus idosos. Os óculos do presente não nos permitem visualizar a nossa própria velhice num lar, mas é urgente pensarmos na nossa velhice e, entretanto, promovermos as condições para uma terceira-idade mais digna e evitarmos o abandono e falta de cuidados que vimos nos últimos dias em residências de idosos sem condições.
Ninguém se imagina a envelhecer
“os lares de idosos deviam ser uma prioridade nacional”