Não creio que a despenalização da eutanásia seja “a pior coisa” que o Parlamento pode fazer, como diz Cavaco Silva. A hipérbole serviu apenas de prova de vida de alguém que já tínhamos esquecido e acaba por ser um mau serviço a essa “causa”. Haveria certamente muito pior do que isso, como a história tem sucessivamente mostrado, e em vez desta inanidade teria sido útil algum argumento.
Não concordo com a despenalização, nem sequer com a oportunidade ou necessidade da discussão. Não se vê um clamor da sociedade a exigir essa despenalização, nem uma especial incidência de casos em que a única solução seja matar alguém.
Matar alguém, sim, que é disso que se trata. É uma exceção a uma das regras mais básicas do nosso ordenamento jurídico, ao fundamento mesmo desse ordenamento, que consiste no respeito absoluto pela vida humana. Podem dizer-me que há muitos casos em que se mata por uma questão de humanidade, como, por exemplo, acontece no final de um filme de que já muitos se esqueceram: “Os Cavalos Também se Abatem”.
Há casos de sofrimento terrível, como em tantos casos de cancro terminal, em que a única solução parece ser essa. Casos em que a única coisa humana a fazer é pôr termo ao sofrimento, seja como for, mas pergunto, como jurista, como se estabelece o limite, como se decide qual o momento em que o sofrimento é tanto que a eutanásia é justificável? Depois, como se define com clareza a manifestação de vontade de quem quer morrer e como se determina se essa vontade é expressa de uma forma totalmente livre e esclarecida? O que impedirá depois o estabelecimento, como acontece em tantos institutos do direito, de uma “vontade presumível”? Serão consideradas válidas declarações de vontade prévias, em que se diga que em determinadas circunstâncias, por exemplo se contraído Alzheimer e em grande sofrimento, se opta pela eutanásia?
Nestes e em muitos outros casos as dúvidas são muitas. Poderá haver casos em que se falsifiquem ou se interpretem liberalmente, ou erradamente, declarações de vontade. Poderá haver casos em que a morte parece inevitável e na realidade não o seja, e em que a eutanásia seja por isso precipitada. E irremediável.
Um dos melhores argumentos contra a pena de morte é que os erros judiciais cometidos são irremediáveis. Um condenado à prisão perpétua será libertado se se vier a provar que estava inocente, mas se o tiverem enforcado não podem ressuscitá-lo. Se alguém fizer um negócio com pressupostos errados, e continuo na técnica jurídica, pode anular a declaração de vontade viciada – a não ser que essa declaração de vontade tenha conduzido à sua morte.