Como não poderia deixar de ser, assistimos a um autêntico circo por conta da chegada das vacinas. Desde entrevistas em modo de encher-chouriços, a gente de mamocas à mostra e ao conflito entre a GNR e PSP por causa da escolta das mesmas, houve forró para todos os gostos.
Passou-se do formato “números do Covid” para o formato “vêm aí as vacinas” e, depois, para o formato “vacinação em direto”. Esqueceu-se a competência, rigor, profissionalismo e sinceridade com que devem ser abordados e informados todos os temas sobre saúde, os quais não se limitam, infelizmente, à Covid. E tudo isto, todo este circo, foi despoletado pela vacinação conjunta de 605 profissionais de saúde! Isso mesmo, 605.
Cá pela Guarda, incapazes de concorrermos com outras paragens pelo tempo de antena para reportagens da treta, improvisou-se. O conselho de administração da ULS da Guarda resolveu anunciar com foguetório a chegada de 55 «novos» médicos como se de igual número de D. Sebastiões se tratasse! Apelidou-os de «lufada de ar fresco», coisa que curiosamente ninguém se atreveu a fazer quando o próprio conselho de administração entrou há pouco tempo em funções…
Note-se que desses 55 clínicos, 42 vêm fazer o internato em formação geral e 13 para especialização em psiquiatria, cirurgia geral, medicina geral e familiar, pneumologia, medicina interna e pediatria, mas nenhum nas áreas mais carenciadas do nosso hospital, como sejam a cardiologia, oftalmologia ou a ortopedia. Acresce que o mais certo é a maioria destes clínicos, anunciados como uma «lufada de ar fresco», saírem um dia pela porta por onde agora entrou a dita aragem, como tem sucedido com as sucessivas fornadas de médicos exibidos em semelhantes espetáculos circenses de administrações anteriores.
Entretanto, os problemas mais prementes da instituição continuam por resolver, desde inúmeras direções de serviço por nomear há anos, até uma completa ausência de diálogo da administração com vários clínicos, causadora do colapso funcional de mais do que um serviço. Esses problemas que já vêm de trás e têm sido artificialmente engordados pela administração atual, só conseguiram amplificar aqueles que nos caíram em cima por causa da Covid. E não serão a propaganda e o marketing habituais do sistema a conseguir fazer esquecer os fracassos de gestão, organização e produção do nosso hospital.
O problema não é de agora, mas é exemplar o estado a que chegaram as nossas urgências, com dias em que foi notória a exiguidade dos recursos humanos. Disto, a administração da ULS da Guarda não fala. E não o faz porque não sabe como há de fazer propaganda com o assunto. De facto, para se atirar poeira para os olhos das pessoas, tem pelo menos de haver poeira. E a única coisa que há até agora são 9.800 consultas canceladas só de março a outubro, com as cirurgias a sofrerem uma quebra de 62%. Este resultado, bem pior do que o da maioria dos hospitais, é muito menos imputável à Covid do que à manifesta falta de jeito da administração, desta e da anterior, para um correto relacionamento que seja mobilizador dos profissionais mais válidos e conhecedores da casa. É no que dá alinhar-se cega e fielmente com gente entrincheirada no deixa-andar do sistema e no partido que lá coloca as administrações…
Neste cenário desastroso, é o próprio presidente da administração hospitalar quem reconhece que a recuperação do número de consultas e cirurgias vai ser difícil enquanto o número de doentes Covid aumentar, quando, ao mesmo tempo, há serviços praticamente paralisados sem que tal signifique uma maior prestação de cuidados aos doentes da pandemia!
As palavras de circunstância, segundo as quais é desejo do senhor presidente João Barranca ajudar a ULS a prestar cuidados de saúde à população de forma sustentada, estão para as nossas necessidades como os salmos estão para a fé: acredita quem quiser. Eu, muito mais cético depois de tudo aquilo que já vi, e fartinho de ver paraquedistas passarem pela Guarda só para tratarem das suas aspirações políticas ou de carreira, só desejo ao senhor presidente que consiga ter o dobro de sucessos em relação ao que de positivo trouxer à Guarda.