Mais um ano mau

Escrito por António Ferreira

“É cada vez mais difícil ser razoável e equidistante. Há demasiada gente aos gritos, de um lado e outro do espectro político, e 2024 não promete grandes progressos para quem se contentaria com um pouco de bom senso.”

Comecemos pela santa terrinha. Não há orçamento na Guarda para 2024. A lista encabeçada por Sérgio Costa paga o preço de não ter maioria absoluta. Segundo ele, o seu orçamento é bom e contempla projetos válidos; segundo a oposição, o orçamento é mau e deveria contemplar outros projetos. Não sei quem tem razão, mas sei uma coisa: os anos passam e nada de substancial acontece. Há feiras e festas, inaugurou-se uma dispendiosa ciclovia por onde não vejo passar ninguém, ouço falar da célebre Alameda da Ti’Jaquina como se fosse a solução para salvar a cidade mas tudo vai ficando na mesma, ou um pouco pior.
Lisboa espera por um novo aeroporto desde os anos 60 do século passado. Periodicamente, ou de cada vez que muda o governo, aparece mais uma comissão ou mais um estudo. Estudaram tanto que se foi cimentando uma conclusão indesmentível: todas as soluções são más. Assim que parece iminente uma decisão num sentido, os inconvenientes dessa solução agigantam-se e, rapidamente, voltamos à estaca zero e à criação de mais um grupo de trabalho ou à encomenda de mais estudos. É claro que nunca há soluções perfeitas, seja para a Alameda da Ti’Jaquina ou para o novo aeroporto, mas há que decidir.
Tínhamos uma guerra a travar a retoma económica pós-pandemia. Agora temos duas. Morreram já centenas de milhares de russos e ucranianos porque a Rússia acha que a Ucrânia não tem o direito de aderir à NATO ou à UE. Morreram mais de vinte mil palestinianos e mais de 1.200 israelitas porque os primeiros entendem que têm direito a um país independente entre o rio Jordão e o mar, portanto sem Israel, e os segundos acham que não e que a haver um país entre esses limites deverá ser apenas Israel. Uma vez que as duas soluções se excluem mutuamente, parece que apenas uma pode prevalecer, a do mais forte. Haveria outra, com a partilha do pouco território existente entre dois estados, mas a religião e a política metem-se pelo meio. Como dizia Ben Gurion, «demasiada história para tão pouca Geografia».
O Partido Socialista consegue desbaratar uma maioria absoluta em dois anos. António Costa tem muitas qualidades mas o péssimo defeito de não saber escolher aqueles que o rodeiam. O PSD pode ter ótimos futuros ministros e secretários de Estado, mas não mostra ter um grande líder. Da boca do Luís Montenegro não saem senão inanidades, ou então as televisões não transmitem as frases inteligentes e significativas que mostram as belas ideias que ele tem para o país. Vale-lhe que as aparições do Cavaco e do Passos Coelho demonstram que, se calhar, ele não é tão mau como isso.
O populismo continua a crescer e ameaça explodir em 2024. Trump pode regressar à Casa Branca, de onde irá destruir a Aliança Atlântica e ameaçar a União Europeia. Esta continuará a ser minada por dentro pela extrema-direita, que a recusa. O populismo é a charlatanice da política, mas as pessoas são cada vez mais vulneráveis a charlatães. Quando um falha, porque os seus remédios são cretinice pura, virá outro ainda pior, com banha de outras cobras.
Há também a esquerda, com um discurso económico cada vez mais populista, entretida com questões de nicho ou de género, o seu ódio ao Ocidente, a defesa dos fascismos russo e islâmico e sem soluções para nada que não sejam também charlatanice pura.
É cada vez mais difícil ser razoável e equidistante. Há demasiada gente aos gritos, de um lado e outro do espectro político, e 2024 não promete grandes progressos para quem se contentaria com um pouco de bom senso.

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António Ferreira

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