O fluxo de espanhóis ao Oeste português não é de agora. Muito antes dos vídeos inspiradores do Turismo do Centro e dos vídeos do presidente da concelhia do PSD da Guarda, já o vento persistente se notava nos peões, lanceiros e besteiros que veraneavam pelos campos de Aljubarrota. Há 635 anos, sete espanhóis morriam no forno de Brites de Almeida. Hoje, morrem milhares de portugueses desidratados, sem qualquer Santo Condestável que lhe valha. A tática continua muito quadrada.
O mês de julho foi o mais mortífero dos últimos 12 anos. Mais 2.137 mortes registadas que em igual período do ano passado. Números de fazer corar de inveja a Covid-19, que, com muito mais publicidade e aparato, fica para trás nesta luta do mérito pelos serviços prestados à sustentabilidade do sistema nacional de pensões. Nesta macabra corrida, o calor está muito à frente. Sem ar condicionado, um parque habitacional miserável e sem umas simples garrafas de água, o julho mais quente de sempre proporcionou belos dias nos areais e condições perfeitas para funerais. “Old Lives really matter?”
O distrito da Guarda foi um dos mais afetados no país por esta onda de calor. Perto de duas pessoas por cada mil habitantes morreram só neste historicamente quente e seco mês de julho. Este facto não é indissociável do perfil muito envelhecido da nossa população residente. Grande parte institucionalizada em lares, com fragilidades a que a pandemia veio levantar um pouco o véu. Pouca sorte a destes idosos que, por não se encontrarem espalhados pela nossa extensa e amena costa, não têm a oportunidade de ser salvos do golpe de calor pelo nosso inefável presidente Marcelo. Com um garrafão de 5 litros de Luso, pronto a dar de beber a quem nunca tem sede, num misto de Palmela Anderson com São Bernardo, a avalanche da mortalidade seria obrigada a parar de forma bíblica.
Num processo tão transparente quanto as eleições bielorrussas, a Secretaria de Estado da Ação Social continua a engrossar fileiras. Nesta conjuntura, mais do que um fisioterapeuta, seria útil alguém para ler relatórios ou um especialista em recursos hídricos. Porque se o único critério que prevalece é o da confiança política, independentemente da sua formação académica, ficamos a saber que não há militantes PS da área social dispostos a trabalhar na Guarda por um salário bem acima da média, ou que as Secretarias de Estado descentralizadas poderiam ter qualquer designação porque os seus técnicos seriam exatamente os mesmos.
Numa época de escolhas pós secundário, a universidade da vida partidária continua a ser a melhor garantia aos sedentos de emprego. Recentemente, a Câmara Municipal da Guarda também contratou um eminente militante de uma jota. Coincidências, obviamente. São tantas as coincidências que não devíamos depois ficar espantados com a ascensão dos falsos profetas de uma quarta República. Se o objetivo da contratação se prende com candidaturas ao programa “Orgasmus”, a CM Guarda contratava a Mia Khalifa e sempre dava uma mão ao povo libanês nesta altura difícil.
No campo do emprego mal remunerado a promessa de mais 15 mil funcionários para lares é boa. Mas não pode terminar seca como o Centro Nacional de Turismo do Interior, o Centro Nacional de Educação Rodoviária, o data center do SEF, o Centro de Inovação e Tecnologia Automóvel, o Hotel Turismo… Todas elas promessas com um baixo teor de humidade que acabaram por murchar e morrer. Não deixa, portanto, de ser irónico que a nova promessa, e com sentido, seja um Porto Seco. Aguardemos por esse lugar ao sol no desenvolvimento do país, mas convenientemente hidratados e munidos de fé, porque a Guarda não teve qualquer menção no Plano de Recuperação Económica para a próxima década.