Janelas indiscretas (haikus confinados)

Da janela vejo prédios.
Nesses prédios há pessoas.
Sinto-me James Stewart.

Em frente, uma família.
Dois adultos, uma criança.
Nenhum assassinato.

Noutra, uma mulher sozinha
Faz as tarefas domésticas.
Talvez haja um crime.

No 25 de Abril, ninguém foi
Cantar às varandas.
Se calhar era sábado.

Sem vacina para o corona,
Há imunidade de grupo
Ao vírus da austeridade.

Pobres ou desesperados,
O governo admite.
Mas austeros, nunca mais.

Na avenida, passam carros,
Na rua, andam pessoas.
Na sala, ecrãs e varandins.

Da janela vejo prédios.
Só se morre de Covid,
Nem sequer um homicídio.

Se o Hitchcock fosse vivo,
Substituía o James Stewart
Por um epidemiologista.

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

Leave a Reply