Incompetência, escolas, cadeias e a queda

Escrito por Jorge Noutel

“Mas o que mais impressiona neste processo, para além da falta de qualquer esforço de faseamento, é a falta de diálogo entre a direção do Agrupamento da Sé, a autarquia, e os pais e encarregados de educação. Já nem falo do corpo docente e funcionários, há muito esquecidos nestes assuntos.”

Em 1988 nascia a Escola de S. Miguel. Há mais de dez anos que não abria uma escola no concelho. Fruto de um desenvolvimento alicerçado fundamentalmente na Renault, os trabalhadores e suas famílias deslocaram-se para a cidade e freguesias próximas. Foi uma época de franco desenvolvimento, com milhares de jovens a necessitarem de mais e melhores aprendizagens. As escolas que existiam já não comportavam mais alunos. A necessidade de uma nova escola era premente. Encontrado um espaço nada próprio para a existência de uma escola, junto a uma via movimentada, seguiram-se as mortes de crianças que nunca deveriam ter ocorrido.
Diziam os mentores do projeto, na altura o Partido Socialista, que as instalações seriam provisórias. Mas, como quase tudo o que é provisório neste nosso Portugal, ficou definitivo ao longo de 35 anos, com a deterioração dos pavilhões a acentuar-se sem que autarquia ou o poder regional ou central tenha realizado qualquer obra de vulto. As próprias placas de amianto da cobertura de alguns pavilhões só a muito custo e depois de muita polémica foram retiradas.
Com o fim de várias unidades industriais da Guarda, a que se somou a incúria e a falta de visão dos poderes instalados, o despovoamento tornou-se evidente. E, com ele, as escolas sofreram uma baixa do número de alunos. Com a ascensão ao poder de Sócrates e da sua ajudante de campo Maria de Lurdes, surgiram os famosos agrupamentos de escolas. Inicialmente apenas com escolas do ensino básico. Assim se constituiu o Agrupamento de Escolas da S. Miguel, o maior da cidade. Mas eis que a visão economicista determinou uma ainda maior concentração, com as escolas secundárias a entrarem no processo, surgindo então os denominados Mega Agrupamentos. O caminho continuava a ser decidido por gente que não sabe mais que aquilo e a quem não se pode exigir mais do que o pouco que consegue dar. A direção do Agrupamento da Sé, desta forma constituído, deu a machadada final no esvaziamento de alunos das escolas do 2º ciclo, nomeadamente ao aceitar, com a tal conivência economicista do poder central, alunos dos 5º e 6º anos. O golpe final começou a ser dado. Ter num único edifício alunos desde o 5º até ao 12º ano é de uma total irresponsabilidade pedagógica!
Aqui chegados surgiu a reformulação da Carta Educativa do Município da Guarda, iniciada em 2008 e com alguns ajustes verificados em 2017. Mas como não se encontra publicada no portal da autarquia, e como a desconhecemos, sobre ela não nos pronunciamos. O que já não farei acerca dos pressupostos que fundamentam a consequência mais gravosa da aprovação muito recente, em Assembleia Municipal, da sua revisão e consequente encerramento da Escola de S. Miguel. É bom que se perceba que a decisão de encerrar a escola é uma questão política. E como tal o executivo será julgado politicamente pelo ato. O que se nos afigura é que o encerramento da escola é de uma total falta de inteligência emocional.
De facto, 71% dos alunos da escola têm apoio social. Será que a transferência desses alunos para outro estabelecimento de ensino vai determinar a sua melhoria social? Dizer-se que a escola tem 131 alunos, a grande maioria de freguesias fora da área urbana, é argumento? Reflete isso sim o despovoamento que o concelho foi sofrendo, muito por falta de políticas de desenvolvimento e graças à incompetência dos poderes instalados. O argumento da posição nos vários “rankings” também não colhe, pois bem sabemos o que eles realmente valem e a quem servem. E alguém ouviu os executores da sentença final e demais homúnculos falarem de ensino privado? É que o há no concelho! Nada. Uns por covardia outros por hipocrisia. Estão à vista de todos as benesses e doações e ultimamente a assunção do protagonismo dessas instituições no panorama das atividades do executivo camarário em detrimento da presença dos responsáveis em atividades da Escola Pública.
Mas o que mais impressiona neste processo, para além da falta de qualquer esforço de faseamento, é a falta de diálogo entre a direção do Agrupamento da Sé, a autarquia, e os pais e encarregados de educação. Já nem falo do corpo docente e funcionários, há muito esquecidos nestes assuntos.
Por fim, fica um aviso. Um dia destes, um qualquer diploma manda encerrar um outro importante serviço público e nessa altura contem com o atual executivo para não saber ou para não querer resistir em termos. Recordo a propósito Jean Victor Duruy, que foi ministro da Educação da França, entre 1811 e 1894, e que percebeu melhor do que a maioria que «abrir uma escola é encerrar uma prisão». Por isso, deixo também aqui uma questão: há quantos anos não é aberta uma nova escola no concelho da Guarda?

PS: Importa dizer que, para evitar equívocos e aproveitamentos partidários, não me encontro filiado em qualquer organização e que apenas e tão só me pronuncio no direito democrático à participação cívica.

Sobre o autor

Jorge Noutel

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