Num ensaio publicado no site “sojourners” (sojo.net) em 22 de abril de 2020 (“Flattening the Curve of Xenophobia”), Robert P. Jones conta-nos a triste história de como em tempos de pandemia ou surtos epidémicos é habitual culpar e atacar as minorias. Aconteceu entre abril e novembro de 1919, em que multidões violentas de brancos atacaram comunidades de negros nos Estados Unidos, culpando-os do elevado desemprego, da crise económica e do caos provocado pela gripe espanhola, então já em declínio. Em 1832 tinha sido uma epidemia de cólera em Nova Iorque, sendo apontado o dedo aos emigrantes irlandeses, uma minoria católica numa cidade predominantemente protestante. Os chineses foram apontados com estando na origem de uma epidemia de varíola em 1876, ocorrida em São Francisco, o que acabou por se traduzir numa lei segregacionista (Chinese Exclusion Act de 1882). Na Alemanha Nazi culpavam-se os judeus pelos germes que acabavam por afetar a população em geral. Judeus e árabes, já agora, foram acusados e perseguidos na Europa durante séculos pelas epidemias que iam surgindo e em geral os poupavam. Como nota David Landes, em “A Riqueza e a Pobreza das Nações”, isso acontecia simplesmente porque judeus e árabes tinham o hábito, imposto pelas suas religiões, de lavar as mãos antes de comer…
Era inevitável que práticas e argumentos xenófobos surgissem também agora, com a pandemia do novo coronavírus. Trump, desesperadamente à procura de um bode expiatório para os resultados da sua épica incompetência, rapidamente culpou os chineses enquanto turbas raivosas e ignorantes apedrejam uns e outros pelo mundo fora. Não podíamos escapar a isso e lá tivemos o inevitável André Ventura a exigir o confinamento específico dos ciganos. Nada de novo debaixo do sol. A estupidez e a ignorância encontram sempre o seu caminho e não desistem enquanto não fizerem estragos.
Sabem todos os que têm um mínimo de bom senso que só resolveremos este problema com a insistência nalguns valores básicos: a colaboração, a ciência, a solidariedade entre todos os povos, a razão. Será mais fácil chegar lá em sociedades democráticas e os valores democráticos da tolerância, da discussão e partilha livre de ideias ajudarão a aparecer mais depressa uma cura, ou uma vacina. Há por isso que distinguir muito bem o que é ciência e o que é superstição, ou propaganda. Se não for assim, estaremos todos qualquer dia, como sugeriu Trump, a injetar lixívia nas veias. É por isso especialmente repulsivo um comentário de Nuno Melo sobre Rui Tavares, a propósito de um pequeno programa televisivo de cinco minutos, em que ele relatava e comentava a Exposição do Mundo Português, de 1942, e a inauguração do Padrão dos Descobrimentos em 1960. Como poderão ver, Rui Tavares não disse nada de mais e não insultou ninguém. Muitos, também eu, concordarão com o que ele disse e admito que outros não concordem. Num mundo em que se troquem e discutam ideias, caberia a quem discorda identificar o ponto da discordância e dizer as suas razões. Nuno Melo disse: «Entre tantos, Rui Tavares foi escolhido para a tele-escola, destilando ideologia e transformando alunos em cobaias do socialismo. Nem disfarçam. Uma aviltante e ignóbil revolução cultural em marcha que pais sem recursos não podem evitar. Política travestida de educação. Miséria». Não referiu um ponto em que discordasse de Rui Tavares e muito menos porquê. Limitou-se a insultar e a sugerir, no fundo, que Rui Tavares deveria ter sido silenciado.
Xenofobia e censura pelas mãos de André Ventura e Nuno Melo, em tempos em que a troca de ideias e a solidariedade são essenciais. Dois idiotas inúteis.