Estava em Lisboa quando começou a greve dos motoristas de matérias perigosas. Ao segundo dia era já evidente que se a greve durasse mais do que três dias seria o caos. A rutura do sistema de abastecimento de combustíveis, medicamentos e comida iria tornar-se insuportável muito depressa e o regresso à normalidade, mesmo com um final rápido da greve, seria tão lento que os prejuízos graves seriam inevitáveis.
Dizia-se, com uma pertinência aparente, que os motoristas tinham posto o seu interesse egoísta à frente dos interesses do país. Era tempo de Páscoa, havia milhares e milhares de turistas a querer gastar o seu dinheiro em Portugal e a greve punha tudo em causa, da nossa recuperação económica ao bem-estar de milhões de portugueses. Já depois de tudo regressar à normalidade ainda houve quem os criticasse por terem escondido que ganham bem mais de mil euros por mês, muito acima do salário médio, ou por não terem iniciado negociações antes de pararem as viaturas.
Antes de mais, tenho a dizer que me irritam especialmente as greves em que o prejudicado é um terceiro à relação entre as partes – associações patronais (ou Estado) e sindicatos. É como se os sindicatos dissessem “ou me dais um aumento, ou faço mal àquele tipo”, e “o tipo” somos todos nós, simples utilizadores, usados como escudos humanos por grupos que seguem uma lógica quase terrorista. Quase.
O mesmo aqui: se as entidades patronais não cedessem, pagávamos todos, muito mais do que as empresas empregadoras dos motoristas (o negócio que deixariam de fazer agora iriam fazê-lo depois, mais tarde ou mais cedo, tanta é a necessidade do mercado).
Mas ao segundo dia, pareceu-me evidente e significativo um pormenor. Sabíamos o que queriam os motoristas, do reconhecimento da profissão como de desgaste rápido à criação de uma categoria profissional específica e a reivindicações salariais. Não sabíamos era a posição da associação patronal. Soube-se depois, indiretamente, que tinham por política não negociar sob a pressão da greve. Primeiro, reiniciava-se a atividade e depois, talvez, haveria negociações. Uma posição muito radical de quem tinha nas mãos o pré-aviso de greve desde os primeiros dias de abril e nada tinha feito entretanto para atingir um consenso.
Depois verifiquei os factos e falei com quem trabalha no ramo. É falso que os motoristas ganhem 1.400,00 euros por mês. O salário de base são 630,00 euros e apenas chega àqueles números quem faça transportes de ou para o estrangeiro, o que não é o caso deles; necessitam de uma acreditação especial para o transporte de matérias perigosas, que caduca quando fazem 60 anos; transportar matérias perigosas é uma atividade muito arriscada. Em suma, tinham razão e, se não tivessem feito greve, nunca ninguém a reconheceria. Tinham razão e foram eficazes na sua luta. Outros aprenderão com eles.