Grande irmão português

Realmente, não poder comer arroz doce pode ser trágico. Tão trágico como a condição de que padeço.

No regresso a Portugal, há alguns ajustes necessários na adaptação depois de sete meses fora do país. Por exemplo, uma feijoada, um cozido à portuguesa e uma dose de leitão já fizeram ajustar o cinto das calças. Uma outra adaptação que já referi noutras crónicas é ao idioma e às consequências que a compreensão do idioma acarreta. Passou a ser mais frequente ouvir grunhos a conversar na rua. Admito a possibilidade de haver grunhos em todos os países por onde passei. A diferença é que não os entendo, e por isso não me parecem Homens de Neandertal que ganharam a habilidade da fala apenas duas gerações atrás.
Há outros fenómenos, no entanto, que não precisam de habituação lenta. Um deles é o “Big Brother”. Depois de meses a fio sem acompanhar programas de televisão, assistir a mais um regresso do “Big Brother” faz-me sentir como se nunca de aqui tivesse saído. Para quem não sabe, o “Big Brother” é um “reality show”, um programa que mostra as pessoas ao natural. Uma espécie de acampamento de nudistas, mas do super-ego.
Nesta edição, juntaram-se novamente perto de 20 rapazes e raparigas, e uma senhora mais entradota. Não sei exactamente quantos concorrentes são, porque são todos muito irrequietos e muito iguais, e isso torna a contagem muito difícil. Sempre que leio ou ouço grandes discursos sobre a “geração mais bem preparada de sempre”, imagino que se estejam a referir à preparação física que estes matulões apresentam. E se alguém aponta ser esta “a geração mais qualificada de sempre”, só podem estar a falar de qualificações em torneios de futebol e jogos do “Big”.
Num estilo de conversa injustamente atribuído a senhoras de idade avançada, duas jovens do “Big Brother” falavam de maleitas. Uma confessou ter tido «a pior coisa que vocês possam imaginar». Eu não estava a entender como é que ela já podia ter tido uma maioria absoluta do António Costa, mas a moça esclareceu: «Tinha aquilo e tive de fazer quimioterapia». Ficando claro que estava perante um caso oncológico, a outra concorrente, num momento de extraordinária compaixão e empatia, afirmou: «Pois, eu também sofro de gastrite. Agora até fiquei intolerante à lactose». Realmente, não poder comer arroz doce pode ser trágico. Tão trágico como a condição de que padeço. É que às vezes tenho saudades lá do Báltico.

* O autor escreve de acordo com o antigo acordo ortográfico

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

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