Fora da tela

“Se calhar, foi para contornar isso que a Jornada, apesar das recomendações papais, manteve a transmissão pelos seus próprios ecrãs nas redes sociais.”

O cardeal patriarca de Lisboa sensibilizou os jovens para não passarem tanto tempo junto dos ecrãs, li no Facebook e no Instagram. Também o Papa alertou os peregrinos para os perigos no mundo das redes sociais, durante o discurso que ouvi na emissão em directo no canal de YouTube da própria organização da JMJ.
É por estas e por outras que a Igreja católica não adere junto dos jovens progressistas que pugnam pela justiça social. Como é que se hão-de combater as injustiças do mundo, com intervenção e voluntariado junto das pessoas? Toda a gente sabe que um teclado e um nome sugestivo no Twitter são as verdadeiras armas de combate às desigualdades estruturais da sociedade heteropatriarcal capitalista.
O Papa insistiu em que as pessoas estivessem próximas umas das outras. Ora, é mais do que sabido que o principal problema do mundo são as pessoas, e que quanto mais próximas estão, pior. Havia problemas de aquecimento global quando as primeiras tribos humanas se matavam umas as outras por terra e comida? Julgo que o consenso científico sobre isto é mesmo consensual. Havia tanta poluição quando os seres humanos viviam cerca de 40 anos? Obviamente, não. E guerras? Bem, guerras e lutas até havia, mas pelo menos era com paus e pedras, não era com tanques e drones, que são objectos que poluem muito mais.
As JMJ também mostraram os grandes problemas do turismo de massas: interrupções no trânsito, gente que gasta pouco e espanhóis a falar alto.
Por falar em espanhol, foi mesmo em espanhol que o Papa falou. As televisões portuguesas, cujos jornalistas julgam muitas vezes estar a falar espanhol com jogadores de futebol sul-americanos (mas na realidade não estão), decidiram – porque sim – fazer tradução simultânea da língua que todos os portugueses entedem quando encontram hispano-falantes na carretera ou em qualquer tienda. Resultado, não se ouvia o Papa, nem se percebiam os tradutores.
Se calhar, foi para contornar isso que a Jornada, apesar das recomendações papais, manteve a transmissão pelos seus próprios ecrãs nas redes sociais.
Por todos os elogios que ouvi, julgo poder concluir que a organização foi bem sucedida. Mas há uma coisa, para a qual tinha alertado a semana passada, que me pareceu um desrespeito à identidade nacional portuguesa. Amor ao próximo, fé em Deus, tudo isso está muito bem. O que não é admissível, em território português, é tanta alegria e tão contagiante. Para euforias, já nos chega o presidente e o primeiro-ministro.

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

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