Festas, arraiais e outros que tais…

“Obviamente que o convívio e as distrações são importantíssimas para uma saudável vivência social, mas não podemos fazer disto a nossa única bandeira.”

Por mero acaso, estando há poucos dias a desfolhar O INTERIOR, deparo-me com uma página onde constavam duas notícias, lado a lado e cujo conteúdo não poderia ser mais díspar. Uma delas tinha por título “Fundão lidera consórcio europeu na área tecnológica” e simetricamente outro cabeçalho enunciava “Guarda – Fim de semana ao ritmo dos santos populares”.
Certamente não existiu qualquer intenção por parte do editor que não fosse a decisão gestionária do aproveitamento da página em termos de mancha gráfica. No entanto, a disposição das notícias, ainda que coincidentemente, faz um retrato dolorosamente fiel da realidade comparativa em que a Guarda vive mergulhada.
Enquanto outras localidades possuem uma estratégia bem definida e procuram aproveitar as oportunidades conjunturais para criar riqueza sustentada e qualidade de vida a partir da inovação, na Guarda, alegremente andamos em festas e romarias, esquecendo aquele que deveria ser o foco principal de actuação: atracção e consolidação do tecido empresarial, porque verdadeiramente, em qualquer parte do mundo, é ele que cria e promove a riqueza dos territórios.
Vejamos, por exemplo, o quase findo mês de Junho que por iniciativa do presente executivo, foi exclusivamente preenchido pelas festas dos santos populares. Não tenho rigorosamente nada contra estas festividades, no entanto, já que se faz tanto a apologia da tradição e com a qual concordo, relembro que a Guarda, desde sempre festejou o S. João. Aliás, até existe na cidade, desde tempos imemoriais, uma feira anual em sua homenagem a 24 de Junho. Desde criança que me lembro das festividades de São João no Passo do Biu, em São Vicente, nas Lameirinhas, Bonfim, Bairro da Caixa, etc., concentradas, quando muito, nos dias que antecediam a data. Não tenho memória, e vou a caminho do meio século, de haver festividades de Santo António (típicas de Lisboa) ou de São Pedro (muito festejado na Póvoa de Varzim) na cidade da Guarda.
Parece-me um exagero dedicar um mês inteiro a este tipo de iniciativas, quando nas próximas semanas iremos ter o “Wine Fest”, as “Festas da Cidade” e a “Feira Farta” isto a somar às dezenas de iniciativas promovidas e a promover nas diversas freguesias do concelho. Dá a impressão que a Guarda vive permanentemente em festa e que é apenas isso que interessa.
Obviamente que o convívio e as distrações são importantíssimas para uma saudável vivência social, mas não podemos fazer disto a nossa única bandeira.
Critico apenas a gritante falta de equilíbrio entre festividades e actividades geradoras de emprego e riqueza. Além do mais, se nos dermos ao trabalho de consultar o portal BASE, onde estão depositados os contratos públicos, verificamos que a Câmara da Guarda decide contratar mais de 80% dos gastos (por ajuste directo) nas festividades atrás mencionadas em empresas fora do concelho, não sendo pela inexistência dos mesmos produtos e serviços no território que as do burgo não são tidas em conta. Ou seja, gasta-se mal e nem sequer se deixa riqueza na Guarda.
E ainda por cima se dão graves pontapés na saúde porque um mês inteiro a regado a álcool e rematado por carne entremeada não será muito saudável certamente. Preocupa-me a saúde dos decisores do meu concelho, mas mais preocupação me merece a saúde da Guarda.

* O autor escreve ao abrigo dos antigos critérios ortográficos

Sobre o autor

Ricardo Neves de Sousa

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