O corredor era estreito demais, curto demais, baixo demais para que não se pudesse confundir com uma qualquer caleira onde todos os desvalidos se amontoam ao ritmo das últimas chuvas de outubro. Num dos cantos, uma velha começa por reger o seu gangue numa cadência irritante e acaba a soar mais ameaçadora que qualquer outro mal deste mundo. Nos primeiros minutos daquilo, uma pessoa ainda consegue enfiar uma mão em si e virar-se do avesso como quem vira a roupa para não ganhar borbotos na máquina de lavar, mas, passadas umas duas horas, não há quem aguente sem se esfarrapar na fúria própria destas coisas. O que acaba por unir todas aquelas almas numa performance de rezas, impropérios e maneirismos comunicacionais impossível de replicar em qualquer outro lugar ou situação. Lá pela 8ª ou 9ª hora, já o gangue das velhas adormeceu, o descontente com o atendimento se calou e, quem estivesse de ouvido à coca, quase podia jurar que o silêncio, aquele vazio onde nos conseguimos ouvir a nós mesmo, passara por ali. Uma passagem quase impercetível. Contudo, suficientemente forte para conseguir resgatar qualquer um àquela realidade paralela das 25.ª horas, onde o mais lúcido sucumbe à doideira alheia e o mais forte se deixa contaminar pela estirpe exibida pelo vizinho. A preocupação do nonagenário com as eleições na América ali estava para o provar.
– Ó senhora! Já correram com o Trump?
– Ainda não se sabe.
– Olhe lá, já correram com o Trump?
– Eu!? Eu não sei cá nada dessas coisas! – Declarou a contragosto, mais por ter sido direta e incontornavelmente interpelada do que por não saber a resposta, a figura azul-celeste. No meio de tanto sofrimento e transcendência, a esta criatura parecia sobrar presença de espírito para achar que as eleições americanas não passam de “coisas”, sem lugar no exíguo do seu cotidiano. O que faz duvidar de que saiba, sequer, onde é que fica a América e quem é Trump. Soubesse ela, uma ou outra coisa, que bem trataria de descobrir se já tinham, ou não, corrido com o salafrário. Que mais não fosse, para apurar se os bons ainda são a maioria. A maioria na América e a maioria aqui na Europa e no resto do Mundo de que os Trumps pretendem apropriar-se de forma tão descarada. É que, caso o lograssem, já ninguém tencionaria saber fosse o que fosse sobre quem ganhou as eleições. Ainda que não acabasse, por uma questão de verniz, dificilmente, o ato de escolher os políticos e as políticas que nos governam os dias, teria a fiabilidade que lhe reconhecemos por pouco que nos preocupe ou mobilize. Paradoxos da democracia, quanto mais presente, menos se lhe liga. Ou, pior ainda, dá-se em atacá-la pela voz dos patetas que replicam, alegremente, contra uns catecismos ocultos que a acometerão: corruptos, corruptos, corruptoooooos… Acometimentos impossíveis de ocorrer em qualquer outro regime, bem se vê. Entretanto, uma das velhas desperta e inicia uma animada ladainha com que acaba por convocar o resto do gangue para o assalto ao espaço. No corredor das urgências, sempre estreito, curto e baixo, são duas da manhã.