Uma realidade que se muda sem haver avaliações das vantagens nem perspetivação de consequências é sempre uma evolução que pode encontrar um abismo.
A verdade é que nas últimas décadas assim se decide e organiza em saúde. Há umas mentes iluminadas que decidem juntar serviços médicos. Outras mentes decidem criar centros hospitalares. Gente mais inteligente ainda encerra serviços com ocupação de 90%. Fecham-se camas hospitalares para construir cuidados sem o mesmo nível de assistência ou de apoio. Fecham-se hospitais, que por vezes se reabrem para suprir falhas que eram óbvias antes do fecho. Criam-se corredores de centros hospitalares com 40 km de distância. Transitam ambulâncias num insano negócio que parece compensar o Estado, ou servir bem os acólitos das decisões. Para melhorar a ideia deste esquema demenciado ninguém avalia as medidas postas em prática e as consequências das decisões tomadas. Careciam de medir os dados antes de tomar decisões, só que elas já eram tomadas em gabinetes carregados de funcionários sem exposição no terreno, sem conhecimento algum da situação da saúde nacional. Os diretores de serviço não têm poder, não podem interferir com outros profissionais, não gozam da capacidade de afastar gente problemática, não se lhes paga pelo incómodo, mas “exige-se-lhes” resultados de produção. Também se perpetuam diretores com péssimos resultados, como se excluem os que atingiram objetivos, sempre sem critérios coerentes.
Vem um iluminado e fecha uma enfermaria. Vem outra lâmpada e encerra uma urgência. Depois vem uma gambiarra e constrói uma necessidade: registos de hora a hora impossibilitando qualquer atividade com os doentes. Burocracia substituindo gestos terapêuticos e de contacto com os doentes. Muito computador, muito registo que seria lógico se houvesse estudos nascidos deles. Infelizmente é como nas inspeções militares que durante décadas inscreveram milhões de registos em papel que nunca serviram para editar qualquer trabalho ou tomar qualquer decisão. Jazem algures nos quartéis onde elas se faziam, ocupando quilómetros de estantes, isto se um candeeiro não os mandou queimar.
Trabalhamos assim desde há vinte anos. Eu estava na Cirurgia 2 que integrou a cirurgia do HG que depois se converteu em cirurgia C que integrou as compactadas dos HUC e agora somos a Cirurgia do CHUC única, com corredores de oito quilómetros e uma produção coletiva que não sei se é melhor que a dos cinco serviços unidos, não sei se tem melhores resultados que a dos cinco separados e não sei se tem menor lista de espera. Aliás, ninguém parece saber! Esses argumentos nunca aparecem nas decisões tomadas. Sei que em urgência os doentes do distrito estão pior, sei que em resposta à disponibilidade de camas os doentes estão muito piores. Cheira-me que em matéria de custos esta solução é mais cara que as dos cinco em separado. Também não há nenhuma prova, nenhum trabalho científico, que prove que a dedicação plena ou a exclusividade médica tragam benefícios onde a liderança tem dificuldade na exigência.
Decidir em saúde
“Os diretores de serviço não têm poder, não podem interferir com outros profissionais, não gozam da capacidade de afastar gente problemática, não se lhes paga pelo incómodo, mas “exige-se-lhes” resultados de produção. Também se perpetuam diretores com péssimos resultados, como se excluem os que atingiram objetivos, sempre sem critérios coerentes.”