As Escrituras apresentam-nos a luta do jovem filho de Samuel contra a o gigante filisteu Golias como um ato heroico do pequeno David que libertou o povo de Israel. Aqui, o nosso David é outro. É o David Rodrigues.
O jovem ciclista leva anos a preparar-se para ser um campeão. Foi um dos mais promissores no todo-terreno (BTT) e passou para as bicicletas “de corrida”, onde nos últimos anos se foi afirmando como dos mais fortes do pelotão nacional. A sorte ainda não o brindou com uma grande vitória no ciclismo nacional ou mesmo internacional, onde já vai mostrando a sua força. Não derrotou os Golias do pelotão, mas cada vez que o terreno “empina” serra acima o pequeno David faz-se grande; cada vez que a Volta chega à sua Guarda natal, David agiganta-se e os pedais da sua bicicleta ficam mais leves para subir o menino guerreiro das bicicletas. Foi assim no ano passado, quando a poucos quilómetros da Guarda, David tentou fugir ao pelotão para chegar ao cimo da Guarda na frente, mas as pernas traíram-no e a força coletiva que o perseguia ganhou-lhe na última subida. Ainda assim, os seus receberam-no com todo o apoio.
Voltou a ser assim este ano. O ciclista da Rádio Popular/Boavista exibiu-se como um exímio trepador na Serra da Estrela, entre os melhores e com o extraordinário apoio popular ficou a 23 segundos da vitória na etapa “rainha”. Mas o seu sonho é ganhar na Guarda. E David tentou, chegou-se à frente enquanto subia “do vale do Mondego”. Ousado, na sua cabeça já estava na cidade, a chegar à frente de todos, mas as pernas e a competência dos mais fortes do pelotão, não o deixaram, mais uma vez, trepar à sua terra na frente. Não ganhou, porque a estrada é longa e subir em duas rodas é duro. Mas os “seus” receberam-no como vencedor, que o é. Não ganhou a etapa, mas ganhou definitivamente um lugar no coração dos guardenses. O jovem fisioterapeuta, que deixou os pacientes à espera (entre eles este escriba), para ganhar os céus em cima da bicicleta, já é o Golias do nosso contentamento. Porventura o mais relevante desportista da região, ele é uma figura singular, que irradia simpatia e espalha alegria e amabilidade em cada etapa, como na sua vida. Exultar o David Rodrigues é não apenas aplaudir o denodo e esforço de um grande ciclista, numa modalidade onde o sofrimento e o suor lacrimejam tantas lágrimas, é também apreciar a personalidade singela e humilde que ilumina cada subida da Volta. Muito mais do que as vitórias nas próximas etapas, nas próximas “voltas”, o David já é, merecidamente, o nosso campeão.
Numa região onde as assimetrias atrofiam; numa região onde o desenvolvimento tarda; numa região que vê fugir do atraso endémico os seus filhos; numa região onde o despovoamento é o resultado de todas as dificuldades, as pessoas são o mais importante, são o que conta. Os que ficam, resilientes e lutadores por um futuro que tarda, são todos os dias heróis. Mesmo quando não alcançam a vitória merecida e acalentada. São ganhadores, porque resistem às dificuldades e esforçadamente continuam à procura de melhores dias, de amanhãs que cantam. O pequeno David representa essa força, essa ousadia, essa coragem de lutar e querer vencer.