Bem no alto da cidade da Guarda, junto ao seu altaneiro castelo, desbravando uma paisagem que parece não ter fim, ergueu-se um edifício onde durante muitos séculos esteve instalado o Convento de Santa Clara.
O convento começou por ser um pequeno cenóbio na Vela, concelho da Guarda, onde se congregaram, em data desconhecida, algumas religiosas.
Inserida numa pequena aldeia, embora com carta de foral recebida de D. Afonso III em 1255, a comunidade não teria instalações próprias e as piedosas mulheres viveriam, como costume, em casas particulares, ligadas a alguma ermida.
A vida da comunidade seria tão difícil que decidiram mudar para a Guarda, sendo-lhes oferecido um terreno para edificação de um convento pelo Concelho em 1344. Situava-se fora das muralhas, entre a estrada que saía da Porta da Covilhã e a igreja de Nossa Senhora do Templo, num campo que descia para o chafariz do Barreiro e muito próximo da igreja de Santa Marinha. Ou seja, seria o espaço entre a rua de acesso ao cemitério de Nossa Senhora do Templo, a rua Soeiro Viegas e o largo em frente à Escola João de Almeida. A igreja de Nossa Senhora do Templo é a capela do cemitério; o chafariz do Barreiro deveria ser o chafariz de Santo André; a igreja de Santa Marinha não se sabe bem onde ficaria, mas não seria muito longe do “largo das tílias”.
O novo convento
As obras tiveram início pouco depois, tendo começado por uma pequena igreja, a que se seguiram os restantes cómodos.
Em 1346, duas religiosas das “Irmãs Terceiras da Penitência” deslocaram-se a Avinhão, onde então tinha residência o antipapa Clemente VII, conseguiram a mudança para “Claristas”, como era seu desejo, e seguir o exemplo de Clara de Assis.
Infelizmente, no tempo de D. Fernando e das guerras com Espanha, como o convento estivesse muito próximo da muralha teve que ser demolido, à semelhança do que aconteceu com a Sé, a igreja de Santa Marinha e outros edifícios.
Sem abrigo, as freiras foram recolher-se numas casas próximas, mas do lado de dentro das muralhas. Mas eram tão acanhadas que tiveram que procurar outro local, numa ladeira, entre S. Sebastião e a igreja de S. Nicolau, ou seja, em frente ao Museu da Guarda, que era “fora de portas”.
As gentes da Guarda é que não gostaram nada que as monjas ficassem fora da cidade, de maneira que em 1382 a Câmara deliberou ceder-lhes um terreno num local chamado Poço do Alcaide, mas dentro de muralhas. O terreno era pequeno, mas com outro que foi adquirido, e com as muitas doações que os particulares lhes fizeram, foi possível deitar mãos à obra e em condições bastante boas.
Começou a ser construído em 1383, mas, dadas as sucessivas ampliações, só em 1509 estaria acabado.
O Mirante das Freiras
O Concelho, atendendo ao facto de o convento ter as janelas viradas para as muralhas, que lhes ficavam logo em frente, ofereceu-lhes, para seu regalo, a Torre do Campo, que passou a ser conhecida por Mirante das Freiras. Poderiam desta forma desfrutar do magnífico panorama que dali se avistava e suavizar a austeridade da sua reclusão.
Destacaram-se, entre muitos benfeitores, D. Francisco Coutinho, conde de Marialva e Loulé; Bernardo de Mello Osório e posteriormente seu filho Diogo, que se responsabilizaram pela edificação da capela-mor; D. Manuel I, Dona Leonor, sua esposa, e seus filhos; e vários reis e bispos da Guarda. D. Catharina de Eça, abadessa do Lorvão, mandou-lhes abrir um poço, fundamental para a vida da comunidade.
Ao mesmo tempo que a casa ia crescendo, sendo construídas duas capelas, foi enriquecida com muitas e preciosas relíquias de mártires e santos, obtidas, muitas vezes, com grandes dificuldades, e que se dizia serem «de autenticidade irrecusável».
Neste convento, «por ser considerado um dos mais rigorosos no cumprimento dos preceitos», esteve recolhida, por ordem de D. João III, D. Isabel Moniz, de quem tinha tido um filho, D. Duarte, que veio a ser arcebispo de Braga.
Freiras famosas
Entre as muitas religiosas que por ali passaram algumas houve que granjearam fama de santidade, nomeadamente: Soror Gerónima do Espírito Santo, tão ilustrada e douta que era conhecida pelo nome de “Vergília”; Soror Brites da Coroa, natural da Guarda, entrou no convento aos 7 anos de idade e ali se manteve até aos cem anos; Soror Francisca das Chagas, natural de Lamego e digna de admiração pela sua caridade com os pobres; Soror Brites de Jesus, natural de Seia, que foi casada com um juiz e se fez freira depois de lhe terem morto o marido; Soror Isabel Baptista, natural de Ciudad Rodrigo, de onde fugiu, renunciando aos parentes e ao mundo. Foi duas vezes abadessa, distinguindo-se pela sua caridade.
Foi do Convento de Santa Clara que saíram as primeiras religiosas que deram vida a três conventos: o de S. Luís, em Pinhel; o de Santa Iria, em Tomar; e o de Vinhó, em Gouveia.
A última abadessa
No dia 27 de janeiro de 1855 morreu D. Rita de Cássia, última abadessa do Convento de Santa Clara. Filha de António Lourenço Macedo e Maria Joaquina, nasceu em 1802, na Guarda. Professou em 1818 e foi eleita pela primeira vez abadessa em 1834.
Durante muitos anos, praticamente desde a extinção das ordens religiosas, foi a única freira professa que existia no convento. Faziam-lhe também companhia as irmãs do visconde da Lageosa, José Leite, que ali se encontravam recolhidas desde 1851.
A destruição do convento
Com a morte da última freira, o casarão, que há muito se encontrava em más condições por falta de manutenção, foi destinado a “Asylo de Mendicidade Distrital”.
Em 1888, as obras de demolição seguiam a bom ritmo, quase tanto como a delapidação que foi feita no recheio do convento. Diz-se que foram algumas famílias mais abastadas que se “abotoaram” com as relíquias e tudo o mais.
Era tanta a pressa que as obras começaram ainda antes da transladação dos restos mortais das freiras mortas para o cemitério público.
O asilo nunca chegou a funcionar e no edifício a ele destinado irão instalar-se a Escola Normal, a Câmara Municipal, a cavalariça da GNR, o Hospital Militar; uma escola primária e o Liceu. E assim terminou o convento de Santa Clara, que durante tantos séculos marcou a vida da cidade e da região. E as freiras, tão vaidosas da água da sua célebre fonte, e que era considerada um mimo para quem a recebia, já não podem regalar as famílias gradas da cidade.
Até o Mirante e a Porta Nova foram desnecessárias e cruelmente deitadas abaixo em 1888!